Estatística da miséria
Nacib Hetti
Em artigo com o título “A fome não pode esperar” publicado na Folha de S. Paulo, o então diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, disse que um bilhão de seres humanos sofrem de subnutrição, indicando um programa para reduzir esse número pela metade em cinco anos. Todo ano eu vejo esse filme, recheado de estatísticas e índices alarmantes. Os mecanismos de aferição dos fenômenos sociais são tão sofisticados que permitiram determinar que o bebê de número 7 bilhões nasceu na África, no dia 31 de outubro de 2014. No mesmo dia nasceram mais 500 mil, sendo que 100 mil estão marcados para morrer ainda jovens ou para viver na miséria.
A miséria prospera no mundo na mesma proporção dos investimentos na análise da miséria. Parece uma alegação absurda, mas os números originados das próprias estatísticas indicam a evidência deste fenômeno. O que faz entender que existe um descompasso entre o interesse de se conhecer o grau da miséria e a vontade efetiva de se reduzir ou eliminar a miséria. Anualmente são investidos cerca de 50 bilhões de dólares pela ONU, governos, fundações, universidades, ONGs e outros organismos, exclusivamente com o objetivo de medir e qualificar a evolução da miséria no mundo. Tal qual as condições meteorológicas, a miséria é medida diariamente.
Cerca de 100 mil sociólogos, economistas, demógrafos, antropólogos, sanitaristas e outros cientistas, vinculados a mais de duas mil instituições, estão diariamente medindo a miséria do mundo ou atualizando números sobre os nossos irmãos deserdados. O preciosismo demonstra a qualificação dos técnicos. Hoje já se pode saber, por exemplo, na África Oriental, como estão os índices de desnutrição, mortalidade infantil, deficiência sanitária, epidemias, analfabetismo, criminalidade, mobilidade social, desemprego e outras misérias menores. Já no Brasil a estatística da miséria tem servido para medir a reserva de mercado eleitoral, com a eterna bolsa família. Na Europa os índices pioram, com o crescente fluxo de africanos e árabes que fogem de suas guerras miseráveis.
Milhares de pessoas nascem, vivem e morrem em campos de refugiados, sem saber o que é a liberdade e uma vida digna. As últimas divulgações do IDH nos diversos países e regiões do mundo mostram que alguns índices sociais são medíocres, principalmente no aspecto sanitário, com carências absolutas no fornecimento de água potável e no atendimento médico. Não cabe negar a necessidade da estatística. Ela tem substância analítica e acadêmica e se constitui na fonte criadora de teorias e programas, que são, em seguida, metamorfoseados e se tornam matéria para novas teses.
Fica a pergunta: por que tanto empenho com pesquisas e tão pouco no combate efetivo da miséria? A resposta pode estar na crença da impossibilidade de se resolver a miséria ou na certeza de que a sua análise é indispensável para a inteligência acadêmica. Os miseráveis estão morrendo de inanição, em compensação estão sendo rigorosamente dimensionados e qualificados com os melhores instrumentos sociológicos.