Casa de papelão
Nacib Hetti
Belo Horizonte está revitalizando suas praças, criando novas salas e museus e melhorando o transporte de massa. Paralelamente à revolução estética e cultural, surgiu em nossa capital uma nova arquitetura, com características próprias, abrigando uma crescente população, aí sim, descaracterizada. Trata-se das exóticas “residências” formadas por caixas de papelão, abrigando seres humanos degradados. É uma nova estética que nunca chegará ao sofisticado ambiente acadêmico da arquitetura, que se preocupa com a forma. Tenho certeza de que 50% dos leitores que começaram a ler esta matéria já pularam de página. O tema incomoda.
Se alguém me perguntar qual a solução para o problema do morador de rua em Belo Horizonte, eu nem respiro para responder que não sei. Eu só sei de experiências em outras cidades que poderiam servir de modelo para se iniciar uma discussão séria, envolvendo toda a sociedade. No Rio de Janeiro, por exemplo, as entidades de classe têm um programa para recuperação dos moradores de rua, selecionando indivíduos com potencial, oferecendo local para moradia, cuidados médicos, assistência social e treinamento profissionalizante, recolocando os mais aptos em empresas de construção civil e prestadoras de serviços. É ainda um programa de pequeno alcance, mas é um bom começo.
Andarilho, psicopata, miserável, sem-teto, viciado, fugitivo, desajustado, excêntrico, revoltado, mendigo, desempregado, discriminado, catador, flanelinha ou abandonado. Ele pode ter qualquer uma dessas características, ou algumas delas, ou nenhuma delas. A dificuldade de se definir e conceituar o morador de rua é proporcional à impossibilidade de se estabelecer uma política para acabar de vez com o problema que atinge as médias e grandes cidades, o que torna o drama um desafio para as nossas instituições. Se alguém está esperando alguma iniciativa do poder público, pode esperar sentado. Mais uma vez o ônus será da sociedade civil organizada.
Alguns movimentos existentes, como a Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese, não estão sendo suficientes para deter o crescimento populacional dos moradores de rua. Ponto importante já caracterizado é a necessidade de se descriminalizar a opção de vida do sem teto. A polícia militar tem se comportado nesse sentido, orientando sua atividade como um corpo auxiliar. A diversidade das causas torna complexa uma solução baseada em um único mecanismo. O senso comum indica que ninguém mora na rua por opção de vida. O indivíduo nessas condições adversas certamente foi vítima de alguma fatalidade ou perda, ou não tem vontade própria.
Alguns exemplos de pessoas bem-sucedidas que já foram moradores de rua são pontuais e mascaram a realidade. Só existe uma certeza, que é a necessidade de um intenso trabalho da sociedade organizada de Belo Horizonte, onde há mais de 1.500 moradores de rua. Os nossos representantes falam muito, mas falam para dentro. Reclamar e virar as costas não resolve. É encarar ou calar a boca.