Quando a escola é de vidro, a solução é : #ocuparéresistir #ocupatudo

A primeira impressão que temos, o primeiro vislumbre, ao imaginarmos uma escola ocupada pela iniciativa de alunos e alunas do ensino médio, provavelmente não é bom, alguns professores não confiam na responsabilidade, comprometimento e seriedade dos jovens,e, tendo em vista todo o processo de sucateamento pelo qual vem passando a educação em nosso país, não é de se esperar algo de bom, entretanto, ao me deparar com a oportunidade de conhecer o colégio ocupado Visconde de Cairu, não hesitei e marquei imediatamente uma visita e me surpreendi positivamente. Tive a oportunidade de conhecer alguns alunos e alunas do referido colégio na última assembleia da rede estadual realizada no dia 6 de abril, conversei com eles, fiz-lhes muitas perguntas e me senti imensamente motivada a ir de fato vivenciar essa experiência e contribuir no que estivesse ao meu alcance.

Fui acompanhada de mais quatro companheiros de luta, ao chegarmos nos deparamos com organização! Sim! Organização! Alunos e alunas nos portões, responsáveis por uma lista indicando quem entra e quem sai, e os horários de entrada e saída e alunos designados para receber as doações trazidas pelos visitantes. Fomos muito bem recebidos e “guiados” por alunos até o auditório da unidade, onde estava sendo realizado um “aulão” de história, aguardamos e conversamos muito com o professor que ministrou a aula e com alguns alunos, fomos guiados por todo o colégio, e repito! o que vimos foi organização! Sem hierarquias, coerção, sem professores autoritários, enfim, aparentemente o modelo ideal de gestão democrática colaborativa!

Gestão democrática tem a ver com autonomia e participação. O que presenciamos foram alunos e alunas extremamente engajados, comprometidos e autônomos, perfeitamente cientes e conscientes de seus deveres, direitos, responsabilidades e necessidades. O que vimos pode perfeitamente confirmar que o aprendizado democrático implica a capacidade de discutir, elaborar e aceitar regras coletivamente, superando barreiras e desavenças, por meio do diálogo para a construção de propósitos comuns.

Pais, alunos, professores, comunidade, ex alunos e alunas, todos unidos em busca de um ideal! Melhorar as condições estruturais de sua escola, lutar pela qualidade de ensino, valorização do professor e participar da luta pela construção de uma escola pública de qualidade. A gestão democrática não é só um princípio pedagógico. É também um princípio constitucional. Igualmente, é imprescindível reconhecer que o ambiente organizacional de uma escola é um dos fatores decisivos para um bom funcionamento, favorece a motivação, e majora o comprometimento da comunidade educativa com a qualidade do ensino.

O Artigo 205 da Constituição cidadã, de 1988 determina que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, o modelo de gestão escolar hoje, na maioria das vezes, se configura num diretor autoritário e submisso aos órgãos centrais e sua função se abrevia ao cumprimento de metas e a de administrador de determinações estabelecidas pelos interesses superiores, o que não favorece o desenvolvimento dos alunos, restringi o trabalho dos professores e limita práticas e dispositivos pedagógicos.

Almoçamos com os alunos e alunas do Visconde de Cairu, fomos muito bem tratados e podemos comprovar que mesmo os alunos que não participam ativamente da ocupação colaboram de alguma forma, assistem as aulas, participam de reuniões, assembleias, gerenciam páginas nas redes sociais, bem como grupos, e até ex alunos estão envolvidos e preocupados, pois paira sobre a unidade a ameaça de grupos contra a ocupação, alguns ex alunos e pais temem a invasão do colégio por esses grupos, e se colocaram à disposição para vigilância. Ao oposto do que alguns dizem, as ocupações não tiram o direito de ninguém estudar, muito pelo contrário, as portas estão abertas até mesmo para alunos de outras unidades, e oferecem um novo modelo de ensino-aprendizagem, diferente da educação bancária e anacrônica vigente.

Ficamos muito satisfeitos ao saber que muitos pais compreendem e apoiam a ocupação, além da própria comunidade, que contribui com doações, professores de outras escolas, como eu, ajudam também com doações, aulas etc., artistas e demais profissionais estão colaborando com workshops, dentre outras atividades deveras construtivas que são realizadas na escola. . Notamos também, que antes da ocupação, muitos espaços eram restritos aos alunos, e posso afirmar que isso não ocorre apenas no Visconde de Cairu, como também em outras unidades escolares, e acredito que isso ajuda a dificultar o sentimento de pertencimento e responsabilidade pelo espaço. Através do trabalho colaborativo realizado pelos professores, comunidade e alunos, inventariando, conhecendo, reconhecendo e compreendendo o espaço, assim estabelecem-se os vínculos, e os novos alunos vindos de outras localidades podem igualmente adquirir uma percepção pelo conhecimento pessoal do local, aprendendo deste modo a respeitá-lo e defendê-lo.

Acredito que a participação popular é inseparável à noção de democracia. A Constituição Federal de 1988 instituiu a participação popular, mas a sua implantação real depende de mecanismos adequados para o seu exercício. Uma verdadeira democracia deve facilitar a seus cidadãos a informação necessária para a defesa de seus direitos e a participação na conquista de novos direitos, e restringir acesso aos espaços da escola aos alunos dificulta esse processo, por exemplo, o colégio em questão possuí um bosque, que deveria ser tombado, pois possuí espécimes características da mata atlântica, lhes era restrito, agora eles estão familiarizando-se com mais este espaço, e pretendem realizar atividades de conscientização ambiental, bem como usá-lo como espaço alternativo para aulas de biologia.

Segundo Freire (1987), "ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo", ou seja, a educação problematizadora é como prática de liberdade; exige de seus personagens uma nova concepção de comportamento. Ambos são educadores e educandos, aprendendo e ensinando em conjunto, mediatizados pelo mundo. Aprender é apenas meio. A qualidade da formação básica é o fator modernizante mais eficaz da sociedade. As ocupações, em minha concepção são prova disso, a pedagogia Freiriana posta em prática.

Paulo Freire falou de Educação Popular na escola pública. Não a entendendo apenas como educação não formal, desejou não só democratizar a educação, como também garantir que ela pudesse “ser popular”, ou seja, congregar em suas práticas os preceitos emancipatórios da Educação Popular como parte de um projeto de sociedade. Participação popular e Educação Popular caminham juntas já que, historicamente, o referencial teórico da Educação Popular tem estimulado formas participativas e críticas de “leitura do mundo” (Paulo Freire).

Podemos afirmar que a participação e a autonomia compõem a própria natureza do ato pedagógico. Formar para a participação não é só formar para a cidadania, é formar o cidadão para participar, com responsabilidade, do destino de seu país; a participação é um desígnio da própria aprendizagem. Numa visão transformadora, a participação popular objetiva a construção de uma nova sociedade, igualitária, ética, justa e solidária. Então , concluo, seriam as ocupações o modelo ideal para transformação da educação brasileira??? #ocuparéresistir #ocupatudo

QUANDO A ESCOLA É DE VIDRO

Trecho do livro de Ruth Rocha

Eu ia a escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que me meter no vidro. É, no vidro!

Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não! O vidro dependia da classe em que a gente estudava.

Se você estava no primeiro ano, ganhava um vidro de um tamanho. Se você fosse do segundo ano, seu vidro era um pouquinho maior. E assim, os vidros iam crescendo à medida que você ia passando de ano.

Se não passasse de ano era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado.

Coubesse ou não coubesse.

Aliás nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E para falar a verdade, ninguém cabia direito.

Uns eram gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável.

A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores não entendiam o que a gente falava, e a gente nem podia respirar direito...

A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de educação física. Mas aí a gente já estava desesperado de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros.

Bianca Wild
Enviado por Bianca Wild em 12/04/2016
Código do texto: T5603335
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