Bolsa-família não é esmola

Em países como a Holanda e Inglaterra, é possível ao cidadão requerer bolsa-auxílio caso não queira fazer parte do mercado de trabalho. Um artista interessado em se dedicar somente à sua arte (JK Rowling, autora de Harry Potter, é um notável exemplo), uma dona de casa que não deseje trabalhar fora e queira cuidar da casa e criar os filhos, ou mesmo o sujeito anti-social que prefira manter distância do estressante mundo moderno são exemplos de indivíduos que podem ser contemplados por tal benefício.

Já no Brasil, escutamos e lemos diariamente dezenas de discursos contra o Bolsa-Família e programas similares. Taxam os beneficiários de desocupados, dizem que estes deveriam é trabalhar. Na minha opinião, as pessoas que se posicionam contra o bolsa-família, estão na verdade revelando seu preconceito contra a população pobre deste país.

Acreditar que o trabalho é a única e absoluta fonte de crescimento saudável para a economia significa se render à cegueira, baixar a cabeça e aceitar sem pestanejar o sistema capitalista, em que poucas pessoas enriquecem através da exploração da maior parte da população. Sistema este em que os patrões investem em palestras e mesmo em igrejas para botar na cabeça de seus subordinados que é preciso trabalhar muito, trabalhar mais do que se imagina possível, pois só assim o sujeito vai para o céu e desfrutará de sucesso. Para o céu, todo mundo pode imaginar que vai, mas o "sucesso" tem poucas vagas. São cem trabalhadores e dua ou três chances de promoção. Uns poucos sobem e para o restante a justificativa pronta e copiada é a de que não se esforçaram o suficiente. E graças a estes todos, o dono do lugar em que trabalham vai enriquecendo enquanto a base hipnotizada sofre os efeitos colaterais físicos e psicológicos tentando abatê-los à base de relaxante muscular e medicamentos tarja-preta.

Bolsa-Família evita a situação de crianças trabalhando para ajudar nas contas da casa. A partir do momento que uma família de baixa renda não precise que suas crianças trabalhem, estas terão a chance de, na escola e participando de projetos e oficinas, ter uma educação melhor e, consequentemente, melhorar de vida.

Claro que existem casos de fraudes e de pessoas que recebem críticas por supostamente fazerem mal uso do recurso.

O simples fato de se oferecer esta chance não significa que o progresso acontecerá de fato, mas se um ou alguns não realizam, não significa que o benefício deveria ser cortado para todos, sacrificando também os esforçados. Sei de vários casos em que a criança se destaca na escola, no esporte, no curso extra-curricular tornando-se profissional de talento. Coisa que seria mais difícil acontecer se esta tivesse abandonado a escola para trabalhar.

Atentem-se para esta comparação: um jovem que passou no vestibular de Medicina de uma faculdade pública não necessariamente se tornará médico. Até lá, a mãe e o pai do sujeito já saciaram o próprio ego contando contentes e orgulhosos para todo mundo sobre o feito do rapaz, sem se dar conta de (ou disfarçar a preocupação com a possibilidade de) que ele pode desistir no meio da graduação. E se existem pessoas que não vão conseguir se formar, a solução seria fechar o curso? Lógico que não. Daí a minha indignação com quem se baseia em generalizações para argumentar que deveriam acabar com o Bolsa-Família. Aliás, se o jovem pode cursar faculdade pública, isso também se deve a um benefício do governo. Já pararam para pensar nisto? Será que a mesma pessoa que reclama do Bolsa reclamaria também das vagas oferecidas nos vestibulares ano após ano? Acho que não.

Existem ainda vários desafios, como a ocorrência de fraudes. O governo infelizmente não consegue - ou não quer - fiscalizar com rigor a ação de oportunistas. Ainda deve haver pessoas de classes mais altas que recebem o dinheiro da Bolsa, e não me esqueço do caso do beneficiário que - descobriu-se - era um gato (sim, um felino, lembram?). Existem, porém, as histórias de beneficiários de outros programas sociais, como o exemplo citado há algumas linhas, de graduandos de faculdade pública que não aproveitam a oportunidade como deveriam, não se dedicando aos estudos e faltando às aulas para aproveitar as festas. Nestes casos, o aluno somente perde o direito, ou seja, a vaga, se tiver diversas reprovas disciplinares. A matrícula de um curso universitário é extinta depois de quatro ou cinco anos. Talvez mais. Imaginem o governo pagar por todo esse tempo a farra de um chupim de família abastada.

Como eu gostaria que existissem benefícios semelhantes na época que meus pais eram crianças para estes não terem que trabalhar e aproveitarem melhor a infância e os estudos. Como eu gostaria que os valores dos benefícios fossem maiores para que o artista, a mãe de família, ou mesmo o anti-social citados no início do texto, quando envelhecessem tivessem semblante bem diferente daquele sofrido do idoso brasileiro típico.

O preconceito contra os benefícios sociais gera um outro resultado, este absurdo - uma piada relacionada à realidade do Brasil: a falta de qualidade dos serviços públicos de saúde e educação (lembram? São benefícios sociais também) faz com que os brasileiros (os que podem) paguem (caro!) por planos de saúde e escolas particulares. Pagam pelo que não deveriam pagar. Pagam porque não tem seus direitos respeitados.

A propósito, para uma melhora geral do país, indiscutivelmente a educação pública deveria ter melhor qualidade. Não é exagero associar nosso nível educacional, que figura nas últimas posições dos rankings internacionais à qualidade de vida ruim que ainda temos. Mas o curioso é que tal melhora não necessariamente garantiria bons resultados para todos. Vejam o exemplo das escolas particulares. É comum a queixa de especialistas em educação que este tipo de estabelecimento de ensino, mesmo esta, prepara o aluno para responder questões de vestibular, e não para a vida. E nas cidades da minha região, acontece algo que percebo já há mais de dez anos e considero muito, muito chato: quando as particulares soltam os jornaizinhos de ex-alunos que passaram em faculdades, geralmente somente meia dúzia que figura na capa passou em cursos bastante concorridos (estes certamente são os caxias do pedaço). Em seguida vem uma ou duas páginas com outros alunos que passaram em cursos razoáveis das estaduais e federais, os quais acredito que passariam mesmo alunos do ensino público dedicados e que tivessem frequentado cursinhos pré-vestibular populares. E no restante do jornal ou revista, ou seja, mais umas quatro ou cinco páginas, há nomes de faculdades particulares, em que, para ser aprovado no processo seletivo jamais seria necessário investir a tonelada de dinheiro em escola paga. Em outras palavras: jovens que recebem o "bolsa-papai" desde bebê e que muitos vão continuar recebendo até o fim da vida, por não terem sido capazes de andar com as próprias pernas, mesmo depois de formados.

Se você é um dos oposicionistas, pense nestas coisas a próxima vez que for criticar o bolsa-família.

José Antônio Dias
Enviado por José Antônio Dias em 11/04/2016
Código do texto: T5602310
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