Do “homem” como apresentante geral do Bem e do mal
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Gênesis 1.27
Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses?
Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore e eu comi.
Gênesis 3.14-15
Em textos científicos, antropológicos, sociológicos, religiosos, filosóficos a palavra “homem” é usada, indiscriminadamente, para referendar o gênero humano (sic); como quando se diz que “o homem é um animal racional”, “o homem é ser maravilhoso” ou “o homem é digno de todas as honras” devemos estar ao mesmo tempo nos referindo à condição da mulher – embora as mulheres, particularmente as feministas, não aceitem serem postas em pé de igualdade conosco quando reconhecemos também que “o homem é mau”.
A despeito de toda convenção estabelecida por séculos de conceituações, que nos outorga o direito de nos classificarmos como membros da Humanidade, minha perspectiva crítica tende a me fazer recusar o reconhecimento da presença do ser humano em sua completude sobre este planeta, tendo em vista os muitos atos de desumanidade praticados ao longo da história, tanto no passado quanto no presente, por seres que, aos meus olhos equivocados (sic), ainda não passam de meros animais racionais, sejam eles do sexo masculino ou feminino, não sendo sensato, portanto, que nos reconheçamos já representantes (ou apresentantes) inequívocos de uma plena humanidade.
Claro que, graças à nossa capacidade reflexiva e criativa, entre atos de barbaridade e divinos ideais desenvolvemos posturas civilizadas que começaram (sic) a partir do momento quando, na pré-história, nossos ancestrais se puseram de pé, domaram feras e fabricaram objetos, o que nos deu a certeza de sermos superiores aos animais irracionais – que apenas vivem, segundo determinação do instinto de sobrevivência, para se alimentarem e se reproduzirem; como ainda fazemos também, graças a nossa inescapável condição de viscerais dependentes das forças da Natureza que, como não pensam ecologistas e sabem holísticos, se estende da constituição da menor partícula subatômica à primeira estrela do Universo e seus derivados: os planetas, tudo que há neles e em seus satélites naturais.
Considerando toda produção de bens e males produzidos pelos “homens” (do sexo masculino), há a Filosofia, cuja tarefa é investigar, em profundidade, as razões – e a falta de razão ou, por outro lado, a presença de uma razão perversa – de certas ideias, conceitos e ações, sendo particularmente importante descobrir se há razão para que certo ditado popular nos garanta que “todo mal trás um bem” – o que talvez explique a intenção final da produção de todos os pequenos e grandes males realizados em larga escala ao longo da história e, no âmbito da cultura religiosa, a existência de deuses estimuladores e administradores do Mal, “dentro” de nós e, em consequência, entre nós; ou a criação do diabo por parte do Deus-único cristão, considerado expressão ontológica do “supremo Bem” – supondo possibilidade de que um supremo Bem possa produzir o Mal e as existências reais desses dois fantásticos seres, símbolos mítico-criativos das forças contrárias, e complementares, que materializaram no vazio infinito o Universo físico, em contraposição a algum suposto metafísico além do pensamento, fundamento da imaginação.
Depois de tantas descobertas e conquistas tecnológicas, entretanto, ainda temos um imenso percentual de sabedoria a apreender, tendo em vista que nós não conquistamos o principal: a plena humanidade. Pois, infelizmente, de forma assustadoramente recorrente foi comprovado o fato observado por Einstein, que garantiu: “O homem que domina o átomo, mas não tem amor no coração, se transforma num monstro”; bem como nos parece que estava certo Gandhi, que não via nenhum progresso humano entre a Idade da Pedra e a “Idade do Aço”, já que, segundo ele, é ao desenvolvimento da “alma” que devemos dedicar esforços.
Mas, entre ignorâncias, mesmo que já se tenha descoberto o fogo e, graças a ele, uma infinidade de formas de utilizá-lo para garantir uma melhor qualidade de vida para todos (sic), ainda não sabemos o que é a “alma”. Onde a descobriremos como fonte da energia vital que nos produz? Precisa ser desenvolvida? Se sim, para qual fim? Para que seja boa porque é má? Os animais irracionais têm uma alma? E as mulheres? – como questionavam medievos.
Apesar de toda ignorância sobre o que é e onde se localiza a força essencial que nos anima, observando atos recorrentes de desumanidade – antítese da humanidade – muitos insistem reconhecer o homem, ou o “ser humano”, dotado de má índole, não se dando conta do contrassenso da afirmação “a humanidade é podre”, muito mais usada hoje do que antes. E mesmo que, ainda com presença de muitos ladrões e assaltantes, já não tenhamos que temer cotidianas investidas de uma perversa “Santa” Inquisição, ou invasões brutais de nossas casas por pelotões de bárbaros estupradores sanguinários assassinos.
Pelo menos não no lado do mundo onde habitamos.
Infelizmente, para conquista de todo esse status negativo, teremos mesmo que reconhecer a imensa colaboração do “homem” – exclusivamente referendado do sexo masculino – e sua implacável sede de conquistas. E mesmo que muitas delas tenham sido motivadas por necessidade de dar maior segurança e conforto à mulher e seus rebentos, formadores de sua família. Pois qual delas recusará usar a anestesia para uma necessária cesariana entre as dores de um parto de risco ou, melhor, um eficiente contraceptivo, desenvolvido por dedicados cientistas, bem como uma máquina de lavar roupas ou qualquer outro confortável objeto de cama, mesa e banho inventado pelos homens por saberem que, para desenvolvê-los, eles tiveram não apenas que sacrificar seus momentos de lazer entre a família para dedicarem anos de estudos aos pretendidos conhecimentos sobre como produzir certas coisas, mas que também precisaram roubar e matar e usurpar terras e riquezas alheias?
Entre produtores de Literatura, sendo muitos deles filósofos – senão todos, em menor ou maior grau – o poeta-escritor argentino Jorge Luis Borges asseverou que “as mulheres e os espelhos são abomináveis”. Não porque as mulheres sejam abomináveis em si mesmas – a despeito de que, biblicamente, tenha sido considerada primeira ingênua propagadora do conhecimento do Mal (mesmo que também tenha inevitavelmente propagado o conhecimento do Bem, já que nos foi dito que ela comeu frutos de uma “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”, dando-os depois para Adão). Segundo Borges, as mulheres são abomináveis apenas porque, como os espelhos, “multiplicam o número dos homens”.
Porém, entre tantos malfeitores, haveremos também de reconhecer aqueles tantos que, solidários aos justos reclames das mulheres – maioria entre nós – e das minorias injustiçadas pela desumanidade machista patriarcal ainda reinante, se contrapondo à natural brutalidade dos semelhantes machos, encontrada em todas as espécies do reino animal – onde incluímos os insetos, aos quais também às vezes somos comparados – haveremos de reconhecer aqueles homens que, em todas as épocas e condições culturais, literalmente deram e têm dado suas vidas pela libertação dos escravos; desde os negros e das negras que foram martirizadas em pelourinhos até libertação ou emancipação das insatisfeitas “donas de casa” que, malgrado o conforto que seus companheiros lhes proporcionaram, preferiram trocar o trabalho doméstico, o cuidado com os filhos e com o marido pela tarefa de apertar parafusos nas fábricas – sem que, de fato, tenham conquistado melhores vantagens ao substituírem uma submissão escrava por outra na alegação de que, ao contrário do trabalho profissional, a função doméstica as impediam de terem maiores oportunidades de desenvolvimento intelectual, sem nunca terem sido bem ou mal remuneradas por realizá-la; salvo as empregadas domésticas, pois as “donas de casa” nunca precisaram pagar contas, sendo-lhes tudo basicamente necessário sido provido por seus maridos.
Contudo, entre intenções de revolucionárias libertações, será bom perceber que a imensa maioria dos trabalhadores e trabalhadoras do planeta, sem condições vocacionais de tirarem proveito de um pretendido pós-moderno “ócio criativo”, está condenada a maus remunerados trabalhos forçados, sendo ainda reservada à maioria das mulheres, além de suas novas obrigações funcionais, maior parte do trabalho doméstico; quer por imposições culturais ou por uma suposta natural falta de capacidade masculina à maternidade e dedicação aos trabalhos dela decorrentes.
Dessa forma, as mulheres se emanciparam e, além das fábricas e de outras empresas privadas e públicas – onde ainda ocupam cargos secundários – encheram as salas das universidades. E mesmo que o desejado resultado do desenvolvimento intelectual não nos tenha garantido conhecimento sobre o que é, onde se situa a “alma” ou se é substancialmente boa ou má – como não é certo que vá garantir a elas, sem que, até agora, também nos tenha necessariamente dotado da capacidade de desenvolver o bom caráter, mas, pelo contrário, notadamente nos dotado de conhecimentos que nos tornassem competentes construtores de bombas atômicas; função que, agora, tudo indica, será executada também por aquelas mulheres que, para satisfazermos reivindicações de “igualdade”, desde o princípio concordamos considerar e incluir “iguais” aos malditos “homens”.