DESMISTIFICANDO A CONDUÇÃO COERCITIVA
Prólogo
Dentre as formas de restrição à liberdade de locomoção previstas no arcabouço jurídico pátrio figura a condução coercitiva, que consiste em um meio conferido à autoridade (Juiz) para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu a sua intimação, e cuja presença é essencial para o curso da persecução penal.
INFORMAÇÃO OPORTUNA E NECESSÁRIA
Os diletos leitores devem ter percebido que os conduzidos (homens e mulheres) pelos agentes da PF estão sempre com as mãos para trás como se estivessem algemados.
Claro! Os agentes condutores não podem algemar os conduzidos em desacordo com a expressa SUMULA VINCULANTE nº 11/2008, do STF, mas, eles (os agentes da PF) dizem para os conduzidos manterem as mãos atrás do corpo explicando, às vezes, a quem interessar possa, que essa é a forma de condução padrão.
Ora, vejo nessa ação (modo de conduzir) mais uma forma de mostrar à sociedade, por meio da mídia, quem manda e conduz e quem é mandado e conduzido.
Como se não bastassem o escrachar e vilipêndio DESNECESSÁRIOS (Grifei) do (s) conduzido (s), dois ou mais agentes ladeiam o(s) detido (s), segurando em seus braços para reforçar o desdouro do (s) ainda não processado (s), julgado (s), e tampouco condenado (s).
OPERAÇÃO ALETHEIA
"Aletheia" é uma operação que foi deflagrada na manhã de sexta-feira (4/03/2016) pela Polícia Federal. Trata-se da 24ª fase da Operação "Lava Jato", que tem como alvo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seus familiares e outros investigados.
Os investigadores apontam “fortes indícios” de que, entre 2010 e 2014, Lula teria recebido pelo menos R$ 770.000,00 (setecentos e setenta mil reais) sem justificativa econômica lícita do pecuarista e amigo dele José Carlos Bumlai. Há, também, que se investigar o caso do tríplex em Guarujá, o sítio em Atibaia e outras supostas irregularidades envolvendo o ex-presidente Lula.
A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
A liberdade de locomoção, sem dúvidas, figura entre os direitos fundamentais mais básicos, dada a sua estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, epicentro axiológico das constituições contemporâneas.
Diante disto, é trivial que o direito de ir e vir só poderá ser restringido em função de norma autorizadora que apresente conformidade com o ordenamento constitucional e princípios que o norteiam. A própria Constituição Federal, inclusive, prevê o "habeas corpus" como uma garantia específica para os casos de lesão ou ameaça à liberdade de locomoção.
Ao se analisar detidamente o Código de Processo Penal vigente, observa-se que este, a regulamentar a condução coercitiva, o faz de maneira expressa apenas em relação ao ofendido, testemunhas, e aos acusados no processo criminal, como pode se observar nos dispositivos abaixo reproduzidos:
“Art. 201. [...]
§ 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.[...]
Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública. [...]
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”. (Grifei).
Na condução coercitiva do ex-presidente Lula houve abuso da PF? Não. A PF cumpriu uma determinação judicial. A condução coercitiva está prevista na lei, mas, as testemunhas já são chamadas por alguns estudiosos como as “prostitutas das provas”, quanto mais se conduzida coercitivamente.
A NECESSIDADE OU NÃO DA CONDUÇÃO COERCITIVA
Lula foi intimado para interrogatório de acordo com o artigo 260, do CPP? Se a resposta for "SIM" e ele (Lula) negou-se a comparecer para dar prosseguimento ao feito... HOUVE (Grifei) a necessidade de uma condução coercitiva.
Mesmo que haja fundado receio de destruição de provas (provavelmente essa foi a motivação da condução do Lula) o juiz precisa analisar, com muita cautela, a determinação de uma condução coercitiva. É cogente a intimação e respectiva negação ao comparecimento do intimado para que se determine a condução coercitiva.
DEFINIÇÃO DE INTIMAÇÃO
INTIMAÇÃO – Ordem feita a alguém, por autoridade pública, para que faça ou deixe de fazer algo. Não se confunde com a citação, que representa, apenas, uma comunicação a alguém para que compareça em juízo, para responder à lide, sob pena de revelia.
Testemunha ou investigado não é convidado por autoridade judiciária (juiz) para depor. Existe a intimação para esse mister! No caso Lula se não houve uma intimação injustificadamente desatendida, entendo que NÃO TENHA havido essa necessidade de uma condução coercitiva.
Mesmo que, em um determinado momento de subida emoção, o Lula haja dito que não compareceria, se convocado para depor, para que um magistrado determine uma condução coercitiva, este deve observar os ditames da lei, que no caso é o Código de Processo Penal – CPP em seus artigos 218 (caso de testemunha) e 260 (caso de acusado), que assim relatam:
Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
O CASO LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
No dia 04/03/2016 houve destaque na mídia Nacional e Internacional a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar esclarecimentos na Polícia Federal, no aeroporto de Congonhas.
Muitos juristas ao deparar com esse ato expedido pelo Juiz Sérgio Fernando Moro fizeram uma analogia com a jocosa indagação futebolística: "Isso pode Arnaldo?".
Respondo, pelo Arnaldo, sem receio de errar: Pode se o investigado deixar de atender a intimação de acordo com o artigo 260, do CPP!
Creio ter havido um excesso (tiro no pé) da força-tarefa da “Lava Jato” porque o conduzido coercitivamente ou não tem o constitucional direito de permanecer calado. De que adianta alguém ser conduzido coercitivamente e permanecer calado durante o interrogatório?
Creio que o juiz Sérgio Moro deve ter muito bem fundamentado a sua decisão sobre a condução coercitiva do ex-presidente Lula. No caso (Não creio que isso haja ocorrido) do ex-presidente Lula não ter sido intimado de acordo com a lei pátria, abriu-se um rombo ou uma brecha perigosa
caso essa ideia continue a permear na (in)justiça brasileira, qual seja, que a regra será a condução coercitiva, sem a necessária intimação e negação de comparecimento do convocado.
Isso será vexatório e perigoso capaz de causar insegurança jurídica para toda a sociedade, mormente para as pessoas de bem.
Ora, se o próprio ex-presidente Lula, um homem rude, grosseiro e semianalfabeto, sabe que o juiz Sérgio Moro, que conduz a operação “Lava Jato”, poderia tê-lo intimado... “Ô seu Luiz Inácio quer prestar depoimento em Curitiba? Eu gosto de Curitiba, eu poderia ir lá em Curitiba. Assim me facilitava, não precisava pagar uma passagem para ir a Curitiba. Poderia me convidar em Brasília. Eu ia" . – (SIC). Disse Lula.
Repito para não deixar dúvidas: Testemunha ou investigado não é convidado por autoridade judiciária (juiz) para depor. Existe a intimação para esse mister! Seja quem for... A autoridade judiciária (juiz) cita e/ou intima porque ninguém está acima da lei!
No final do que chegou a chamar de desabafo, Lula afirmou: "Se tentaram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca tá viva, como sempre esteve”. – (SIC). Discursou Lula depois de ser ouvido no aeroporto de Congonhas.
CONCLUSÃO
Sérgio Fernando Moro recebeu em 2014 e 2015 intensas manifestações de apoio de seus pares e populares ao combate efetivo da corrupção sistêmica no país, nas redes sociais, nas manifestações de rua, na frente da Justiça Federal e Polícia Federal em Curitiba, mas, se não intimou previamente o investigado Lula e determinou a condução coercitiva do mesmo cometeu (Não creio ter ocorrido tal excesso e abuso) gritante ilicitude.
Se houve essa ilegalidade Sua Excelência Aldo Fernando Moro poderá perder (embora não necessite (creio) desses holofotes midiáticos) mais do que ganhar a simpatia dos inúmeros juristas e legalistas do Brasil.
Se houve (Não creio ter ocorrido isso) copiosa falta de legalidade na expedição do ato (condução coercitiva de Lula) é lamentável e deve ser repudiado tal atitude, cabendo a todos nós, advogados e demais operadores do Direito a missão de defender a legalidade e justiça, acima do clamor popular e independente do (s) caráter (es) do (s) investigado (s) e da notória competência e saber jurídico do magistrado determinante da condução coercitiva.
Entendo não ser prudente, conforme o caso, que a autoridade judiciária ou policial tente convencer a testemunha a falar a verdade, dizendo que se permanecer em silêncio será presa em flagrante ou responderá pelo crime de falso testemunho.
Ora, ora, ora... O direito ao silêncio deve ser assegurado, assim para poder exercê-lo deve ser lhe garantido o direito de ser ouvido, pois somente se exerce o direito ao silêncio se lhe é garantido o direito de falar.
É claro que a operação “Aletheia” fez com que juristas, políticos, professores, militares, estudantes, atores, cantores, comediantes e a sociedade de uma forma geral dividissem opiniões a respeito da ação do órgão público.
Uns saíram em defesa do petista e outros aplaudiram a operação. Sou legalista. Não creio na inocência dos investigados e tampouco aplaudo uma operação feita, se isso ocorreu, “ao arrepio da lei”, isto é, sem levar em consideração o que preestabelece a norma penal (caso não tenha havido uma intimação injustificadamente desatendida) – (Vide art. 260, do CPP).
Repito para deixar bem claro e cristalino: o próprio ex-presidente Lula, um homem rude, grosseiro e semianalfabeto, sabe e disse que o juiz Sérgio Moro, que conduz a operação “Lava Jato”, poderia tê-lo intimado.
RESUMO DA CONCLUSÃO
Mas, afinal de contas, ocorreu ou não ocorreu a intimação do investigado Luiz Inácio Lula da Silva de acordo com o que preestabelece o artigo 260, do CPP? Com a palavra os envolvidos nesse quiproquó, para mim, demasiado enfadonho!
A condução coercitiva só pode ocorrer de forma legal nas situações expressamente descritas no art. 260 do CPP. Sem intimação prévia desatendida, a condução é flagrantemente ilegal. Agora dou uma dica para a defesa do ex-presidente Lula: Se determinado ato de um processo é praticado de forma ilegal...Todo o processo é anulado.
Aqui dou outra dica para quem quiser ficar escolado e preparar uma boa defesa: A legalidade da condução coercitiva do ex-presidente Lula – com muita facilidade – poderá ser provada pelo oficial de justiça (Vide art. 143, do CPC) que é peça fundamental à prestação jurisdicional e exerce uma função essencial à justiça, pois de nada adiantariam as decisões judiciais se não existisse quem as fizesse cumprir.
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NOTAS REFENCIADAS
– Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941;
– Artigos 218 e 260 do Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941;
– Mídia de uma forma geral. Jornalismo (Falado, escrito e televisivo);
– Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstanciais e imparciais.