Espécime genuinamente brasileiro
A fauna brasileira é rica em diversidade de espécies, muitas delas em extinção. Algumas acabam migrando para a área urbana causando transtornos diversos, reproduzindo-se de maneira espantosa. As andorinhas são um exemplo marcante desse desequilíbrio biológico, deixando lembranças indesejáveis por onde passam. O jacú é outra praga urbana que se espalhou pelo País afora e se mostra de difícil combate. Sabe-se que seu controle é praticamente impossível, mesmo com o emprego de técnicas avançadas e alta tecnologia. Animal de fácil localização, sua posição é alardeada naturalmente. O termo se torna pejorativo para classificar aqueles indivíduos que demonstram ter pouca (ou nenhuma) instrução e de convívio e modos rústicos, sem o necessário traquejo social, conforme ensina o esquecido e outrora bastante manuseado dicionário. O jacú em questão utiliza o veículo de quatro rodas para dar vazão às suas sandices reprimidas. Não é preciso ter o ouvido apurado e aprovado em uma audiometria para identificar e imediatamente maldizer o infeliz passando pela rua com o volume do som automotivo nas alturas (geralmente esse tipo de gente, para afrontar publicamente a legislação de trânsito, costuma rebaixar a suspensão do veículo ao nível do solo), uma forma de mostrar a ineficiência do aparato oficial de repressão. As janelas do quarto funcionam como um sismógrafo permanente, estremecendo no embalo do ritmo tresloucado da ignorância, como se submetidas a um abalo sísmico de grande magnitude.
O jovem inconsequente e nada preocupado com o descanso noturno alheio faz sua exibição lá pelas tantas da madrugada, dando a impressão de que está testando seu equipamento em pleno “pancadão” de som, sem se importar com um punhado de gente incomodada e absolutamente inerte para tomar alguma atitude sensata àquela hora. Aturar essa horda de desocupados mal educados não é tarefa das mais simples. Até por conta do efeito dos anos no lombo, a sensibilidade aos ruídos metálicos tende a se manifestar com mais intensidade, resultado da exposição contínua às excessivas vibrações sonoras produzidas pelo ambiente urbano. O jacú motorizado não se contenta apenas em exibir seu poderio acústico. Faz questão de extrair ao máximo o “rendimento” dos escapamentos dimensionados ou esportivos, para desespero dos animais domésticos e seus donos impotentes. Acrescente-se a esse festival de ilícitos as irresponsáveis demonstrações pneumáticas de potência dos propulsores turbinados, aliados ao consumo de álcool e drogas ilícitas e aí teremos a receita ideal para as badernas diárias, que muitas vezes acabam em tragédias.
O problema atinge a todos, enquanto coagidos a tolerar quase que indefesos as canalhices de uma porção de mentecaptos, que a bordo de seus ridículos e apropriadamente nominados “jacumóveis”, atormentam a vida daqueles que nada têm a ver com comportamentos alienados. Essa leva de paspalhos psicodélicos insiste em importunar pessoas de bem, que por ignorância aos seus direitos ou simplesmente por omissão, arcam com o ônus de madrugadas mal dormidas. As autoridades procuram amenizar esse novo flagelo urbano com a conhecida “Patrulha do som”, mas o efetivo reduzido não é suficiente para fazer frente à demanda sempre crescente. As medidas decorrentes da fiscalização por agentes públicos a veículos considerados irregulares incluem a apreensão do equipamento sonoro e do veículo e a aplicação de multa correspondente à infração cometida. Ocorre que o veículo é posteriormente liberado e o proprietário volta a instalar o equipamento, passando a incomodar novamente. Seria interessante a penalização efetiva do infrator, no caso de reincidência comprovada. Há que se tomar medidas eficazes para colocar fim a esse comportamento condenável. Uma ação penal por crime ambiental seria a primeira medida consistente para pelo menos, intimidar os desordeiros e coibir essa prática altamente danosa à saúde da população.
Nota-se claramente que o cerne da questão reside na educação recebida no seio familiar. O indivíduo se utiliza desse expediente para chamar para si a atenção, expondo uma carência afetiva e emocional, transferindo para o veículo altamente sonorizado por muitos decibéis a sensação de poder e virilidade, mesmo que momentânea. É uma fuga da realidade, dissimulada e amplificada por cornetas, potências, tweeters e alto-falantes gigantescos, regidos por baladas em que as batidas do acorde grave mais se assemelham a erupções vulcânicas. Seria interessante levar sistematicamente ao jovem, por meio da educação ou de medidas coercitivas e repressivas, a conscientização e o respeito às normas de convivência em sociedade. Somente dessa forma a cidadania será plenamente assegurada. E de maneira ecologicamente correta, sem riscos de extinção de quaisquer espécies da fauna brasileira.