O país do Sol
No país do Sol, do escritor carioca João do Rio, morava Antenor, jovem simpático e ético. Apaixonou-se - o coração encheu de flores - e depois mudou completamente. Tornou-se um homem cordial e, como tal, faz de tudo para permanecer assim. Até porque como tudo indica não existe outra forma de sobrevivência. No país do Sol a corrupção anda solta: há tempos é comum a população saber de autoridades e políticos metidos em escândalos que beiram os bilhões de reais. E não é qualquer um que está metido neste meio. Na terra de Antenor, a coisa vai de vereador a prefeito, de deputado a governador, de senador a ministros que cutucam o presidente com vara curta.
Na realidade o país é uma piada e as pessoas, especialmente as que vegetam no poder, gostam é de rir dele e de se fingirem de mortos. As empreiteiras e mineradoras - muitas privatizadas a preços de banana - compram políticos e autoridades, ao mesmo tempo em que acabam com o meio ambiente e investem em projetos sociais. Um paradoxo em favor de um capital social que em resumo acaba em bons lucros e dividendos que nem ficam no país. Eles vão diretamente para bancos internacionais e enchem os bolsos dos acionistas.
A coisa ainda é mais interessante porque no campo político vale neste país o bom e o velho patrimonialismo. A questão faz parte da cultura nacional e que impede qualquer pessoa com massa encefálica respeitável de acreditar que o país possa dar certo. A nova crise que se abriu na economia vigente, com uma nova onda de corrupção nas instâncias federais de poder, mostra o mesmo caminho das indicações políticas e levianas. Diga-se de passagem, no país do Sol muitas foram as mudanças criadas na famigerada "reforma" do Estado em uma clara tentativa de "publicizar" e de controlar o que era público. Como é de costume, não deu em nada.
No país do Sol é surpreendente a visão da oposição e da situação no poder. Todos estão de alguma forma associados. Cá entre nós, maior digressão neste campo é “tempo perdido”: no sol deste país a política é a arte de acabar com a vida e a trajetória do outro. "Política não é para irmã de caridade", logo, quem não quer crítica, até as infundadas, não deve entrar na politicagem. A desqualificação do oponente é normal na mídia do país ensolarado. O problema é quando se tem a intenção de transformar campos de disputa em espaços como igrejas e santuários. Nestes lugares encontramos aquele que possui a última palavra e o ponto final. Lamentar ataques parece legítimo, mas no país em questão já se esqueceu da importância da política como projeto de governo e de estado. Também da necessária criação de mecanismos que possam levar o eleitor a vigiar e responsabilizar o que o vitorioso outrora prometeu.
Existem mais coisas curiosas no país do Sol: o morador rapidamente se enoja ao saber que discutir política pública no campo do sistema criminal é piada. Primeiro, porque o sistema implantado é seletivo. Na cadeia estão em maioria os mesmos de sempre: pobres, negros e jovens. Em segundo, devido ao próprio funcionamento do poder judiciário, o modelo aparece imerso em burocracias e conchavos políticos abrindo espaço para a injustiça e para os privilégios. A lei não é igual para todos. Logo, falar é sempre “chover no molhado”, pois a conclusão é sempre a mesma: na cadeia permanecem os desfavorecidos economicamente e socialmente. É que no país do Sol o Estado é Penal com toda sua sofisticação e belezura.
A belezura mencionada vem acompanhada de prisões arbitrárias, jogos com a lei, o rasgar da constituição e a criminalização do “inimigo”. No país em tela, o habitante sobrevive com a ameaça da polícia e a crueldade travestida de violência sem limites. A ameaça e a crueldade juntas são dois mecanismos que se juntam à leviandade das autoridades que entrincheiradas no Estado produzem o “direito penal do inimigo”. O curioso é que no país do Sol a questão sempre pode ser “melhorada”, pois já é sabido a existência de quadrilhas e milícias, sem falar dos justiceiros e da suspensão de direitos sem mesmo avisar que o rei está nu.
Por fim, tornou-se prática no país do Sol a polícia (submetida ao governador de cada estado) espancar professores. Mas no país tudo pode e acontece. Na batalha diária acaba sobrando para todos. Os habitantes do local não confiam no Estado que utiliza ostensivamente da violência como linguagem. Por isso, muitos professores apanham quando fazem greve ou se mobilizam por direitos. A fala governamental é a de que o Estado - como pátria educadora - valoriza os profissionais da educação, mas não pode ser por acaso que muitas pessoas acabam desistindo da profissão. Daí a pouca legitimidade dos docentes em relação aos discentes. Estes desejam uma trajetória acadêmica sem mérito e há tempos já estão confundindo instituição escolar com locais de balada e pura diversão. Os professores, por outro lado, desejam dar conta de tudo como se fossem os responsáveis. No país do Sol professores são psicólogos, enfermeiros, médicos, padres, pastores e raramente não confundidos com empregados domésticos. Um pouco de responsabilização de alunos adultos não faz o perfil da educação neste país. De tudo isso, o que esperar senão um círculo vicioso que aparece como vitorioso, principalmente quando um jovem negro e pobre pode ser vítima já na família, depois na escola e terminar de frente com o Estado Penal que lhe oferece uma vaga na penitenciária e uma possível carreira em uma milícia, facção ou na rede organizada de tráfico de drogas.