A IDENTIDADE CAPANEMENSE

Comemorando-se, em Capanema, 105 anos de emancipação política, pode-se refletir sobre a identidade de seus filhos e cidadãos, tomando por fundamentos os crescimentos de sua população e do local habitado, primando pelos fatores da dialética político-religiosa e evolução da produção cultural-literata. Para tanto, há de se ressaltar a impressão da forma político-religiosa no ser do capanemense; um aceno ao desenvolvimento da literatura local; e um questionamento sobre a identidade desta conjuntura.

A 05 de novembro de 1910, o então distrito incrustado na Região do Caeté, herdando o nome do implantador das linhas telegráficas que serviu a passagem da Estrada de Ferro de Bragança: o Barão Guilherme Schuch de Capanema, recebeu sua emancipação política; nascia a Vila Capanema em tempos das últimas efervescências da Belle Époque na capital paraense. Recolhendo uma tradição sobre a descrição da então Vila, registrou Dalcídio Jurandir em “Belém do Grão-Pará” (Belém: EDUFPA, 2004, p.271): “...Nisto lhe deu uma sentida saudade de Capanema, o milho assando na trempe debaixo da mangueira, aqueles afazeres da casa paterna, o estalo dos bilros, na almofada, a ladainha, a avó cachimbando e falando dos castigos do céu em noites suadas de verão e queima nas roças, muito escuras, que davam medo às meninas e atiçavam os cachorros para a boca do mato”.

Habitada inicialmente por imigrantes do Nordeste brasileiro, geralmente pequenos agricultores, pecuaristas e comerciantes, Capanema construiu no seu primeiro centenário, uma síntese histórico-econômica que, influenciada pela ligação à região bragantina e à metrópole paraense pela extinta ferrovia aludida, envolveu na dialética de sua configuração os legados da religiosidade católica e as sucessões políticas. Nestas esferas institucionais e carismáticas, gravaram a fogo os seus nomes na história local, personalidades como Pe. Sales Soares e Frei Hermes de Spirano, no âmbito religioso, e Jorge Arbage, Hugo Travassos e Dr. Jorge Costa, no espaço político.

Na impressão da identidade religiosa, a primeira missa é registrada com data no natal de 1902, presidida pelo Pe. Aarão de Bragança; em 1935, a “16 de abril: A sede da Paróquia de Quatipuru é transferida para Capanema” (Dom Alberto G. Ramos. Cronologia Eclesiástica do Pará. Belém: Falangola, 1985, p.164). Porém, foi o Capuchinho Frei Hermes quem cunhou na cultura capanemenses a forma da religiosidade católico-romana. Gozando de irrepreensibilidades moral e pastoral, granjeou sólidas influências religiosa e política na sociedade local, no período de 1964 a 1993; período de Regime de exceção no país e dos albores do renascimento democrático. Frei Hermes, auxiliado pelos confrades missionários Leônidas, Cezar, Arcádio e pelas Irmãs Preciosinas, fez valer o pensamento do Frei Damião de Bozzano que “se o altar não for a pedra fundamental de qualquer sociedade; esta, então, destina-se à ruína”. De colóquios com Frei Hermes, Frei Franklin Robson tomou nota de um pensamento do então cura de Capanema, utilizado para sintetizar seu caráter “Quando o ser humano é de reta conduta moral, tem palavra e procedimento coerentes; este mal conclui suas preces a Deus e já se vê atendido”; de fato este capuchinho Bergamasco possui até os dias atuais, famas lendária e taumatúrgica. Não é desprovido de significado, o fato da população local o ter eleito, em 2001, “o capanemense do século XX”. Um de seus legados é a confecção anual do grandioso tapete artístico na procissão de Corpus Christi, que projeta o nome da cidade ao nível nacional.

Na produção literária capanemense, o primeiro livro foi “À Bíblia às suas ordens” do capuchinho nativo Frei Pio Sampaio de Oliveira, publicado em 1975 pelas edições Paulinas. O hino municipal, foi composto pela professora Rosalina Favacho, de religiosidade cristã-evangélica. Há registros de duas academias de letras na cidade; a primeira no início da década de 1990, da qual foi integrante a escritora Marta Navegantes; a segunda, inaugurada em 2010, donde sobressai-se as produções literárias dos irmãos Stélio e Paulo Vasconcellos. Extra academia-literária figuram escritores capanemenses com produções literárias, são os casos de Carlos Amóras; Anselmo Gomes; Dr. Frei Silvio Pereira; e do autor deste artigo. Na produção musical, é representativo os nomes dos cantores Junior Rêgo e Mimo Moreira.

Tocando a questão da identidade capanemense, podemos questionar que o ser capanemense não se pode resumir a pré-conceitos, tais quais “Terra do cimento” e “Terra de pistoleiros”, pois elevam pequenos fragmentos efêmeros da realidade histórica ao nível de totalidade; o calcário capanemense há de se esgotar, como todo o recurso ambiental; e como profetizava Frei Hermes, imitando o Pe. Cícero Romão Batista: “Vi algo muito ruim se aproximando desta cidade, Capanema vai virar mar até o cimo da torre da igreja matriz! ”, teme-se que o relevo municipal se esmaeça em fundas jazidas abarrotadas de água. Quanto a fama de gente violenta, também é efêmera; pois, como pensa Von Balthasar, a beleza do todo é que deve estar presente no fragmento; ademais, a índole das pessoas é formada quando se privilegia uma genuína construção ético-cultural que privilegia o bem comum como fonte de vida plena para a sociedade.

Portanto, enfatizando as bases político-religiosa e cultural na formação de Capanema, após um centenário de história, ressalta-se que o “ser capanemense” está presente numa política pautada na práxis em prol do bem comum, vinculada as diretrizes dos valores religiosos autênticos. Também, a verdadeira cultura Capanemense deve ser proativa, no sentido de qualitativa busca de produzir culturas popular e elaborada que transmitam o ideal de sua identidade. Permanece as questões comuns, em detrimento do individualismo-líquido: o legado que produzimos para o futuro paraense, brasileiro, mundial existe de fato como algo imprescindível? A nossa produção cultural está arraigada em nossa identidade? Como podemos evoluir nos foros interno e externo, dando o melhor de nossa produção espiritual?