Um dia no futuro

A ideia de futuro sempre foi amplamente discutida pela humanidade, seja por pensadores, cientistas ou por idealizações na ficção cientifica. No entanto, pela maneira que essa temática é abordada somos levados a ter um pensamento distorcido em relação ao seu real significado.

Quando perguntamos para alguém sobre o futuro, este alguém certamente irá relacionar tal tempo com algo distante e idealizado, e se perguntarmos o quão distante estamos dele provavelmente a resposta estará em anos, décadas ou séculos. Esta ideia não é equivocada, realmente futuro é qualquer tempo além do nosso presente momento, mas é importante ressaltar o "qualquer", afinal, a resposta para "o quão distante estamos dele?" é qualquer espaço de tempo, por menor que ele seja. A cada segundo que passa vivemos o futuro, o qual se torna instantaneamente presente e logo após passado.

Entre os três tempos, o passado é o único fixo e imutável, já que este, diferente dos outros, passou pelos três e não se pode mais altera-lo. Pode parecer lógico, mas é importante destacar que qualquer tentativa de mudança do passado apanas será uma nova ação em um presente, que, por seguinte, se tornará um novo passado sem interferir naquele já ocorrido. Por esse motivo o passado tornou-se o objeto de estudo de historiadores, pois se é imutável pode-se construir um conhecimento concreto sobre ele.

Retornando a ideia de futuro, é necessário compreender o porque de nós sempre o relacionar a algo tão distante. Não se trata de uma simples influência da exterioridade sobre o homem (exterioridade esta definida por Émile Durkheim como tudo aquilo que é imposto a nós independentemente de nossa vontade, é o conhecimento formador de uma cultura e que está imposto naturalmente a todos que fazem parte dela), mas também de uma necessidade que temos de sempre acreditar que há esperança para algo, independente de qual seja a real situação. Pode parecer loucura tratar esse pensamento como uma espécie de "defesa do inconsciente" mas é muito mais lógico do que parece. Imaginemos uma situação perfeitamente possível em que um soldado em pleno campo de guerra se questione o porque está ali, qual força interior o faz arriscar a vida pelo seu país, matar pessoas e mesmo assim ter a certeza de que está fazendo a coisa certa. Puro nacionalismo? Imposição do estado? Talvez um pouco de cada, mas a base de tudo isso se encontra na esperança de que com essas ações o futuro possa ser melhor do que o presente, de que é necessário que aconteça o pior para que venha o melhor. É esse pensamento que justifica nossa concepção de futuro. O que será daqui a segundos, minutos ou horas não nos interessa pois, o futuro que queremos é idealizado, é o "fim da guerra", é o momento que tudo irá se estabilizar e finalmente seremos felizes.

Mas e gora, pensar assim é bom ou ruim? Na verdade não existe uma resposta concreta para essa pergunta já que existem os dois lados da moeda. Tudo irá depender do quanto somos dependentes do futuro para o nosso presente fazer sentido. Por exemplo, todos temos objetivos em nossas vidas, sejam eles fáceis ou difíceis de alcançar não deixam de ser projeções de um futuro próximo ou distante. No entanto, para que essa projeção se trone realidade ela dependerá de ações do presente que possam construir um caminho até ela e nesse sentido olhar adiante é extremamente importante para saber quais ações realizar. Mas, é preciso tomar cuidado para não "cair" na tendência natural que temos de achar que "tudo vai dar certo". Esse pensamento, extremamente confortante, é o principal responsável por "eufemizar" todas as falhas humanas e criar esperança para futuras soluções. Seria lindo pensar assim se não fosse trágico, já que a afirmativa "o futuro é construído de ações do presente" é irrefutável, concluindo-se que, se o futuro, a cada momento que passa, é o nosso presente, não existe lógica em esperar que algo que só nós podemos fazer. Não exitem "soluções futuras", existem ações do presente que formarão novos presentes. Se procuramos aceitar algo pela crença de que no futuro será diferente, estamos apenas criando um modo de amenizar a angustia que o presente nos provoca e deixando esse "futuro ideal" cada vez mais distante. Assim, não podemos confiar em algo que ainda não aconteceu, devemos faze-lo acontecer, não devemos esperar que alguém faça por nós pois esse alguém pode também estar esperando que um outro alguém faça por ele.

Agora que já definimos as relações entre passado, presente e futuro vamos hipotetizar uma situação contrária ao nosso pensamento anterior. Suponha que, por um dia, você pudesse viver em um futuro distante, cem anos após nosso presente. Que acordaria certo dia no século XXII, e, consciente disso, você teria até as 23 horas e 59 minutos deste dia para descobrir o máximo de coisas que conseguisse desse futuro e levar estas informações para o passado, que seria o nosso presente. Você sairia pela manhã analisando tudo em sua volta, olhando o comportamento das pessoas, desfrutando das novas tecnologias, informações, alimentos e tipos de relações humanas. Procuraria conhecer pessoas, descobrir novas gírias, variações da língua, novos estilos musicais e descobrir o quão obsoleto seu conhecimento se tornou nesse futuro. Suponhamos que, as 18 horas desse dia, você teria a opção de voltar para o passado ou continuar explorando o futuro por mais seis horas até o final do dia. Agora responda, você voltaria ou ficaria por mais seis horas? Certamente muitos responderiam que ficariam até mais do que as seis horas se possível, afinal, é uma oportunidade única de conhecer o nosso futuro, nos preparar para o que está por vir e ter novos conhecimentos. Bom, sendo uma situação hipotética dificilmente alguém tenha parado para pensar "e se o futuro não for como esperamos que seja?", "e se todas nossas idealizações e objetivos não acontecerem da maneira que esperamos?". Certamente muitos hipotetizaram o futuro que esperam que aconteça, mas esqueceram de pensar que ele é incerto, não pode ser definido ou considerado imutável como o passado.

Agora pensando dessa maneira, volte a hipotetizar a possibilidade de viajar para o futuro por um dia, será mesmo que todos iriam querer? Será que estamos prontos para descobrir o que será de nós no futuro? Mesmo não estando vivos daqui a tanto tempo será que o futuro que aguarda nossos filhos é como planejamos? Dessa vez as respostas devem ser diferentes, muitos terão medo de descobrir o que suas ações do presente provocaram no futuro mesmo que este possa ser mudado constantemente. Mas por quê temos medo? Por quê é tão difícil aceitar o que esta fora de nossos planos? A resposta para essas perguntas é mais simples do que parece. Temos medo por um único motivo: se somos conduzidos a acreditar no futuro como a solução de tudo e como a conquista de nossos objetivos, o simples fato de pensar na possibilidade de nossa teoria estar errada nos faz alterar nossos comportamentos no presente, buscando o futuro idealizado, deixando-o assim cada vez mais incerto e o nosso medo cada vez maior. A raça humana sempre buscou explicação para tudo, para o dia e a noite, para a chuva, o vento, o fogo, a vida, a morte... Sempre estamos em busca da verdade pois, segundo muitos filósofos, ela é o caminho para a felicidade. Então é simples compreender o medo do desconhecido, se não podemos saber a verdade sobre ele não temos total controle e se não temos controle de algo temos medo. Ele é algo natural do ser humano e inclusive o principal fator que garantiu a sobrevivência de nossa espécie, se temos medo somos mais cuidadosos e assim vivemos mais. O único motivos para não entrarmos em um caos alimentado pelo medo é o pensamento confortante de que "tudo vai dar certo". Sim, é um ciclo e não se pode fugir dele, esse é o ciclo da vida, é o que movimenta a sociedade, o que provoca mudanças e nos da motivos para viver. Mas o pensamento de que tudo vai dar certo não é trágico? Separemos o joio do trigo. Será trágico se usarmos dele para justificar o que não fizemos ou o que não deveríamos ter feito no presente, botando nossa responsabilidade em um futuro incerto. No entanto, será de extrema importância se usarmos esse pensamento como forma de guiar nossas ações de maneira promissora, criar em nós um pensamento positivo do qual possamos tirar força para moldar o futuro que queremos.

Hipotetizaremos agora uma situação um pouco diferente da anterior. Viajaremos novamente para o futuro mas dessa vez com um foco diferente e mais específico, iremos descobrir qual é opinião das pessoas do futuro sobre a nossa cultura atual. Mais especificamente iremos analisar qual o pensamento delas em relação aos preconceitos ainda existentes em nossa sociedade e se estes continuariam existindo. Primeiramente vamos voltar nossos olhares ao passado, afinal, ao analisar o passado em nosso presente é o mesmo que o nosso presente ser analisado por pessoas do futuro, já que este seria o presente e o nosso presente o passado para elas. Ao olharmos para a história da humanidade é provável que nos deparemos com coisas bizarras, crueldades impensáveis e ideologias que consideramos ultrapassadas para nossa atualidade. Isso ocorre pois, o simples fato de nos encontrarmos em uma época diferente, mais "evoluída", é suficiente para possuirmos ideologias diferentes. Como defendia Karl Marx, a sociedade é movida pela luta entre as classes e esse pensamento marxista persiste até os dias de hoje. O que faz com que nossos pensamentos mudem constantemente são as divergências entre os diferentes, estas são as matrizes da ideologia humana.

Dessa forma, podemos cancelar nossa segunda viagem para o futuro. Desta vez não será pelo medo e sim porque não será necessária. A partir da nossa analise do passado foi possível compreender que ele se repete no presente e no futuro quando se trata da divergência de ideologias. É fato que julgamos, e com razão, muitas das ações cometidas no passado, afinal, a nossa concepção de certo e errado foi modificada ao longo da história e certamente será conflitante com muitas concepções do passado. Desse mesmo modo, muitas das coisas que julgamos normais hoje serão alvos de pesadas críticas no futuro. Voltando ao assunto do preconceito, sabemos que estes são frutos da cultura em que vivemos e que sofreram mudanças ao longo da história. Não precisamos viajar até o futuro para saber que o racismo, a homofobia, a xenofobia, etc, serão traços marcantes de nossa ignorância ideológica. Isso é tão verdade que, em nosso presente, essas posturas preconceituosas já são fortemente criticadas e tendem a se extinguir. Essa mudança na maneira de pensar e agir é o que caracteriza a transição do presente para o futuro, a formação de uma ideologia evoluída e construtora do futuro que idealizamos.

Mas se sabemos que seremos criticados por muitas de nossas ações do presente, por que as fazemos? Simplesmente pelo fato de o ser humano ser levado a achar que o seu tempo é sempre o melhor. Por mais que possamos idealizar o futuro, sempre seremos levados a achar que o nosso tempo é o melhor para se viver por algum motivo que seja. Se temos uma vida boa acreditamos que no futuro ela pode ser diferente e temos medo do diferente. Se temos uma vida ruim imaginamos um futuro melhor, mas para que este ocorra mudanças devem ser feitas e para toda mudança existem consequências, e adivinha, também temos medo delas. Por esse motivos os preconceitos são tão difíceis de serem exterminados, tudo se resume ao medo, o medo do diferente, o medo da mudança, ao medo do futuro. Pode parecer até um tanto pessimista falar que somos tão dependentes do medo, mas sem ele não existiríamos. É uma faca de dois gumes, ao mesmo tempo que ele garante nossa sobrevivência e evolução também gera conflitos e um certo atraso na própria evolução.

Pensando por outro lado, talvez essa variação na fluidez da vida seja o ritmo que devemos "dançar" pois, se a "música" fosse muito lenta logo ficariamos entediados e se fosse muito rápida talvez acabasse antes do tempo, antes de alcançarmos o futuro ideal.

Luís Ribeiro
Enviado por Luís Ribeiro em 06/11/2015
Reeditado em 06/11/2015
Código do texto: T5439433
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