Religião, bullying e intolerância - 02
O episódio da menina agredida por colegas por ser adepta do candomblé expõe outro problema além do da intolerância religiosa: o bullying escolar. Por muito tempo, ele foi considerado "coisa normal de jovens" e às vítimas deste tipo de agressão só restava aguentar as perseguições dos colegas e a omissão dos profissionais da educação. Embora o bullying exista há longos tempos, apenas recentemente ele começou a chamar a atenção dos estudiosos e educadores, que passaram a admitir que não é um fenômeno comum das escolas, mas um grave desrespeito à dignidade do aluno como ser humano. Muitos adultos que foram vítimas dele desenvolveram profundos problemas de relacionamento social e falta de autoestima pois, numa idade tão vulnerável, não é nem um pouco fácil ser aquele que todos perseguem, de quem a turma inteira ri ou que até mesmo sofre agressão física.
Falar do bullying não é agradável porque ele expõe algo que ninguém gosta de admitir: a crueldade infantil. Apesar de se gostar de idealizar as crianças como anjos, elas podem ser capazes de grandes maldades, principalmente contra os colegas alvo da discriminação, botando-lhes apelidos ridículos, zombando, batendo ou perseguindo.
Por longos anos, as vítimas de bullying, além de enfrentar a crueldade dos colegas, também tiveram de lidar com a indiferença dos que, apesar de não as perseguirem, nada faziam para defendê-las e o máximo de apoio que ouviam era: "Você tem que se defender." Falar é realmente fácil, mas os que praticam bullying só o fazem em grupo e escolhem sempre os mais tímidos e frágeis para maltratar. Culpar a vítima chamando-a de fraca era uma desculpa comum que ajudava a prejudicar o amor-próprio das vítimas, dando-as a entender que mexiam com ela por ser fraca, como se o defeito fosse o dela, não deles.
Falar sobre o bullying nos obriga a admitir que o comportamento das crianças reflete uma sociedade cheia de valores errados. Quem são as vítimas preferenciais dos que fazem bullying? Os gordos, negros, baixos, altos demais, tímidos ou que tiram as notas mais altas. As pessoas são naturalmente preconceituosas e tendem a estigmatizar aqueles considerados "diferentes", que não correspondem aos padrões valorizados pela sociedade. No caso das crianças, o preconceito é mais explícito e revela que o mundo social é cruel, preconceituoso e segregador. Além disso, as crianças vêm de diversas famílias e já vão às escolas imbuídas de determinados valores. Se uma criança é filha de pais racistas, ela não vai gostar do colega negro; uma criança cujos pais acham que o rico tem que ser melhor tratado do que quem é pobre não respeitará os de origem humilde.
Isso nos mostra que a educação tem que envolver o desenvolvimento do ser humano como um todo e, se uma criança tem preconceitos e se acha melhor do que outras a ponto de se achar no direito de discriminá-las, intimidá-las e maltratá-las impiedosamente, algo está errado na sua educação, porque é evidente que ela não tem noção de respeito ao ser humano e se julga além de qualquer punição.
As escolas ainda sentem dificuldades para lidar com o problema e algumas adotam cartilhas e políticas anti-bullying, nas quais se diz que todos têm sentimentos e devem ser respeitados. Apesar da ideia ser boa, ela esbarra em alguns problemas. Será suficiente que os professores e diretores ensinem em sala de aula que não se deve discriminar os colegas se, em casa, a criança aprende que umas pessoas são melhores do que as outras e, portanto, têm mais direitos? De que adiantará o professor dizer que o negro não tem menos valor que o branco se uma criança for filha de pais racistas? Como convencer alguém filho de pais homofóbicos a não perseguir um colega homossexual? Será suficiente explicar que não se deve botar apelido no aluno acima do peso em uma sociedade que supervaloriza a magreza e persegue os gordos?
A questão do bullying expõe uma outra deficiência das escolas: a falta de segurança. É necessária mais vigilância nas escolas para que se percebam situações de bullying e que o colega agressor seja repreendido para entender que o que está fazendo é errado e o seu colega tem direito natural a ser respeitado. Nenhuma criança deve se sentir além do bem e do mal para praticar o bullying à vontade, certa de que não sofrerá punição. Infelizmente, nem toda criança aceita que deve respeitar os outros e, já que há a possibilidade de que ela não tenha mesmo respeito ao ser humano nem freios morais, é bom que ela saiba que há uma chance real de punição para não se sentir encorajada a desrespeitar ninguém.