Morte Matada ou Quem Vigia os Vigilantes
“As vítimas de assaltos, pilhagens e assassinatos são sobretudo os próprios negros” Hans Magnus Enzensberger
“A PM mata depois fala
que é bandido, traficante.
Prende pé-rapado solta deputado.
Mantêm você na lei: do silêncio, do mais fraco...
Ou você é saco de pancada
Ou vai pro saco
Sem direito a nada...”
Em hipótese alguma posso considerar tragédia um assassinato cometido pelo Estado. Menos ainda, um fato isolado. Não sou especialista em violência, e nem preciso, para perceber que somos bombardeados por uma violência diária, cometida por um governo inoperante, que não possui o mínimo de preocupação com o bem-estar da população. Não é preciso morrer para ser vítima da crescente violência em São Luís: basta tomar um ônibus velho, que quando não está lotado é corriqueiramente assaltado; basta eu ousar sair às ruas, seja para manifestar por direitos, ou passear em suas calçadas sujas e sucateadas. E dependendo do bairro, basta estar dentro de casa. Nesse rumo, nos sufocamos em uma roleta russa, onde qualquer um pode ser a próxima vítima, todos são possíveis alvo.
A SMDH já vem alertando, e não é de hoje, acerca da alta letalidade que a polícia militar vem adquirindo progressivamente no Estado, cometendo assassinatos dentro e fora das instituições penais. O alerta chama a atenção para o balanço dos três primeiros meses do governo de Flávio Dino, onde o problema já despontava, com o índice de 21 assassinatos cometidos por intervenções militares, subindo para 90,9% em relação ao ano de 2014. Multiplica-se a violência por todos os lados, seja na bandidagem, ou seja na inescrupulosa resposta do Estado ao problema. E a PM fará apenas aquilo que pensa que é paga para fazer: descer o cacete na população, leia-se negros, pobres e moradores das regiões periféricas, com a justificativa ensaiada de manutenção da lei e da ordem. Desta forma, a policia segue matando, impunemente. Abuso de autoridade, despreparo, covardia, truculência e brutalidade são os adjetivos que melhor se enquadram ao
falar da PM, e não só aqui na província, mas em todas as capitanias hereditárias do Brasil, onde quem lincha tem respaldo social, e bandido bom é bandido morto.
Faz algum tempo venho postergando em escrever sobre minha indignação com relação não à onda, porém ao tsunami de violência que vem avassalando tanto a ilha como todo o Estado nos últimos meses. Agora porém, o editorial do mês de agosto do jornal Vias de Fato acabou atiçando em mim algumas respostas, e a necessidade de se fazer algumas reflexões, sem demora. Principalmente depois da presepada em forma de comunicado dia 14, da secretaria de segurança do governo do estado, insinuando que a “culpa” pela operação desastrada do batalhão de choque da PM seria de apenas um agente, o que atirou, além de fazer crer à população que o errado seria o jovem morto, por estar no lugar e na hora errados. E, para arrematar, que tudo isso seria um fato isolado. Quem realmente puxou o gatilho? Quem é o verdadeiro assassino? De onde tirar o disparate de que tal ocorrido tenha sido um fato isolado?
O pensador Enzensberger já afirmava em meados dos anos de 1990 que seria revelado um novo tipo de masculinidade, que poder-se-ia chamar uma espécie de honra na covardia, embora isso seja uma superestimação. Neste cenário, a mera distinção entre coragem e covardia já lhes seria incompreensível, um sinal de autismo e da perda da convicção. Essa afirmação significa que o comportamento de violência demonstra em si um ato de covardia. Assim, a nossa sociedade experimenta a um recente e bem-sucedido fundamentalismo da violência, onde percebemos a própria mídia e as redes sociais banalizando a mesma e transformando o crime em espetáculo. Quanto mais se comenta sobre, mais a tendência deles ocorrerem, numa espécie de contágio social. De acordo com o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade, caso você seja negro e resida no nordeste do Brasil, irá correr cinco vezes mais o risco de ser brutalmente assassinado,
em relação a um branco. O caso do Fagner, rapaz morto pela PM no último 13 de agosto em uma manifestação pela reivindicação de um teto, está longe de ser raridade aqui no Estado, muito pelo contrário, tais casos acabam se tornando rapidamente parte da realidade maranhense, infelizmente.
Segundo um levantamento do G1, o Maranhão é o Estado com a pior taxa de policiamento, com índice de 01 PM para cada 816 habitantes. Atualmente o Estado conta com 8.398 agentes policiais em atividade, porém o promotor Cláudio Cabral estima um déficit de 23 mil PM’s no Maranhão. De acordo com depoimentos de agentes policiais, as condições dos PM’s beiram à sobrecarga que talvez o salário de 3.237.57 R$ não compense. O treinamento oferecido à PM, principalmente aquela que trabalha em áreas consideradas de risco é ínfimo, e o medo acaba sendo a medida da violência exercida. Segundo o mapa de violência de 2015, aqui no Maranhão tivemos a maior alta em assassinatos por arma de fogo (entre 2002 e 2012 só em São Luís, o acréscimo foi de 377.1%). Vivemos na era da carta branca para matar, onde a cada dez minutos uma pessoa é assassinada no país, e se a vítima for negra e pobre, tal licença ainda vem legitimada pela certeza da
impunidade. Desta forma me pergunto: quem modera o uso da força numa ação da PM? Quem vigia os vigilantes?
O governador Flávio Dino assumiu o poder no início do ano, com promessas de mudança total, criticando aos métodos da oligarquia Sarney, alardeando que novos ventos sopravam na ilha, porém o que notamos é que infelizmente a carnificina que toma conta do Maranhão com atrocidades tal como observadas em pedrinhas por exemplo, continuam a todo o vapor, se tornando cada vez mais sangrentas em todo o Estado. Alguém precisa dizer ao ilustre governador que um governo não é feito de propagandas. Desconfie quando um governo assume anunciando ser o completo inverso do seu antecessor; desconfie de propagandas de mudança, desconfie das licenças para matar camufladas de medidas provisórias para manter a lei e a ordem... e se o Estado tem o direito de matar nós temos o dever de não nos calar.