Sobre Velhas Canções e Novas Aberrações
 
 
O festival de rock Rock in Rio me trouxe algumas reflexões. No palco, bandas e cantores dos anos 70, 80 e 90, que hoje em dia, até os adolescentes que não eram nascidos ou os  jovens que eram crianças na época em que tais artistas fizeram sucesso, sabem cantar algumas canções e conhecem um pouco da história de muitos deles. As pessoas ouvem as músicas e logo se lembram de momentos de suas vidas que, de alguma forma, estão associados a elas, como se fossem trilhas sonoras do viver.

Hoje em dia, 46 anos após a separação dos Beatles, nunca encontrei alguém que não conhecesse pelo menos uma ou duas de suas canções. Todo mundo sabe quem foram John Lennon, Paul McCartney, Ringo Star e George Harrinson. Todos se lembram do Queen e de Freddie Mercury, dos Rolling Stones e dos Pet Shop Boys.

Ao ligarmos o rádio, vemos que muitas das canções de ontem ainda tocam e são apreciadas pela geração atual. Há várias canções antigas regravadas em novas versões.

No Brasil, temos os Paralamas do Sucesso, Os Titãs, Chico Buarque, Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Gal Costa, Alcione, Martinho da Vila, e tantos outros que começaram suas carreiras entre os anos 70 e 80, e que são populares até os dias atuais. Mas e hoje?

O que teremos para lembrar desta geração?

Antes, as músicas ficavam gravadas em segurança nos vinis e CDs, que eram como um registro histórico do cenário musical. Só fazia sucesso e conquistava seu lugar ao sol quem fosse realmente bom e competente. Não havia todo esse trabalho de marketing por trás do artista, que transforma mulheres comuns em divas pop ou rapazinhos bonitos em galãs sensuais. Ganhava-se na voz, pois não havia sintetizadores para filtrar e corrigir a voz, transformando cantores medíocres em alguma coisa aceitável que, junto com a propaganda e o investimento na aparência, faz com que tais pessoas tornem-se famosos por cinco minutos. Artistas de consumo rápido, tanto pelas gravadoras quanto pelos fãs, sem talento real.

Ouve-se música virtualmente. Se gostamos, armazenamos em algum pendrive ou aparelho móvel, para mais tarde, apagarmos e substituirmos por outras. Antes, as músicas ficavam até mais de um ano nas paradas de sucesso, e hoje, apenas poucos meses, sendo logo substituídas e esquecidas. Tínhamos discos com coletâneas de sucessos antigos, as músicas das quais todos queríamos nos lembrar e ouvir outra vez. Este tipo de disco não existe mais hoje em dia, pois o que há para ser colocado nestas coletâneas?

Os CDs estão desaparecendo totalmente do mercado. Eu gostava de escutar música enquanto apreciava o trabalho da capa, onde assinava meu nome, ou acompanhava as músicas com as letras. Mas hoje, ninguém mais se senta para realmente ouvir música. Nos coletivos, calçadas, restaurantes e até cinemas e teatros, o que vemos, é um bando de gente com fones de ouvido escutando lixo totalmente comercial e rapidamente consumível, como se fossem usuários de drogas. Ouvem música enquanto caminham, dirigem, comem, andam de ônibus, assistem aula, vão ao banheiro. Ouvem de forma superficial as músicas que daqui a um ou dois meses serão deletadas e substituídas por outras do mesmo gênero. Não há mais o prazer em sentar-se confortavelmente em casa e escutar com atenção.

Para mim, este comportamento musical é uma das facetas que reflete a realidade de que as pessoas estão vivendo apenas para o agora, e existe uma obsessão até mesmo em diversos grupos religiosos que pregam que o agora é tudo o que temos. É preciso ser feliz agora, imediatamente, consumir a felicidade antes que ela se esgote e mude de nome. Mas o ontem existe, e alguma preocupação com o futuro é sinal de bom senso.

As pessoas estão se esquecendo de criar memórias.

Em um passeio, clicam tudo o que veem e postam nas redes sociais, mas na verdade, o que será que eles realmente viram? O que foi desfrutado, e que ficará na memória das coisas vividas que descansarão além das fotografias e filminhos? E até mesmo estas fotos e filminhos serão armazenados em um computador, celular ou pendrives, ou em nuvens virtuais, juntos com centenas de milhares de outras fotos e filminhos, e talvez nunca mais acessados.

As pessoas evitam pensar. Querem estar conectadas, sem terem que refletir sobre a vida, sobre suas escolhas, o que fizeram ontem, o que farão amanhã. Socam lá para dentro as suas esperanças, medos, dúvidas e tristezas – pois é preciso ser feliz, estar sorridente, ter certeza e jamais demonstrar fraqueza. As pessoas estão curtindo defuntos nas redes sociais. Se alguém posta a fotografia de um ente querido que morreu, logo haverá centenas de ‘curtidas.’ Depois, sentem um grande vazio, e ficam deprimidas. Daí, tomam remédios para ficarem ‘bem’ novamente.

Hoje, as pessoas passam a maior parte de suas vidas estudando e fazendo cursos de especialização para conseguirem uma vaga no mercado de trabalho. Por volta dos trinta anos, quando muitas finalmente terminam seus estudos e conseguem um emprego, passam os outros vinte e cinco ou trinta anos tentando não serem demitidas.
Existe alguma coisa muito errada com o nosso estilo de vida. Será que ninguém percebe?


Ana Bailune
Enviado por Ana Bailune em 22/09/2015
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