Ainda sobre Admirável Mundo Novo

Ainda relendo Admirável Mundo Novo( deve ser a quarta vez que o leio; alguns livros merecem mais que uma leitura; outros, de tão ruins, não merecem nem a primeira), reconheço o significado de distopia, ou seja o oposto de utopia, esta que significa "não lugar"; porém o universo distópico está mais próximo de nós. Quem acompanhou a evolução tecnológica nos últimos anos percebe a arguta análise da sociedade de consumo que o livro faz, ainda mais tendo sido escrito em 1931.

Ali já vemos a mercadoria endeusada, numa patologia que chega às raias de religião; basta ver o "Nosso Ford", uma alusão ao fordismo ou à linha de montagem, a qual é transferida para a caracterização dos habitantes em uma fábrica e de acordo com suas castas; Os dirigentes seriam Alfa + ( incrível a alusão a personagens modernos) e os trabalhos braçais seriam realizados por castas inferiores, produzidos em massa e condicionados a viverem e serem felizes em sua condição social.Estamos em 600 d. F. (depois de Ford); o "Big Henry " dá as doze badaladas e nessa sociedade anestesiada as pessoas vivem agitadas, consumindo produtos descartáveis, praticando esportes com acessórios complicados e caros; as mulheres são induzidas a consumirem produtos de beleza caros; a amor é livre, mas as reflexões e pensamentos filosóficos são desencorajados.

As diversões são proporcionadas por aparelhos multifunção, como cinemas em 3d ou com sensações físicas, como odoríferas e táteis; os idosos são encorajados a tratamentos estéticos, para não demonstrarem sua aparência e para terem vida sexual ativa. Todo mundo, teoricamente, é "feliz"; nesse sentido artificial do termo, com exceção de Bernard Marx, o qual sofreu um defeito de "fabricação" e tem um nível de conscência diferente, que o torna isolado da sociedade ; um inadaptado. Junte-se a ele John, o selvagem, filho de pessoas "civilizadas", mas que é criado em uma aldeia indígena, entretanto ele é estranho a esse mundo, pois lê Shakespeare. Ao ser trazido à "civilização", entrará em choque com ela, pois apaixona-se por Lenina, porém o amor romântico é desencorajado, ao contrário de promiscuidade.

O valor do livro está em não iludir sobre a volta à natureza como ideal, em oposição à civilização ruim; a vida natural também tem seu caráter bárbaro, de doenças, de autoflagelação e superstições, porém parece mais saudável; o autor tenta corrigir o pessimismo latente na obra com "De Volta ao Admirável Mundo Novo", dispensável, como as continuações do cinema; a força do livro está na crítica à falsa sensação de bem-estar, nas tentativas frustradas de corrigir a natureza, escravizando o homem, ao invés de o tornar mais livre. Qualquer semelhança com nosso mundo não é mera coincidência.