CONTRERAS E OUTROS MONSTROS

“Adoro ler obituários; através deles,

muitas vezes,

sou contemplado com notícias

agradabilíssimas...” (Alguém disse...)

Morreu ontem no Chile Manuel Contreras, chefe de polícia no governo Pinochet, responsável por milhares de mortes, (3.200 pessoas segundo alguns), e condenado a mais de 500 anos de prisão; inclusive no exterior, como Estados Unidos, pela morte do ex-chanceler Orlando Letelier em Washington, e na Argentina pela morte do general Carlos Pratts e sua mulher Sofia, em Buenos Aires.

Os crimes atribuídos a Contreras eram classificados como “crimes contra a humanidade”, que tem por característica universal de “não prescreverem”; é o mesmo embasamento jurídico que condenou os carrascos nazistas.

“Era um dos homens mais desprezíveis do Chile, matou muita gente” (Agência AFP de Notícias – Alberto Garretón).

Sua morte está sendo muito festejada: “o demônio, mais uma vez, está morto!”

O eterno candidato José Serra foi um dos seus prisioneiros; só se salvou porque o major chileno Gabriel Ortiz Montero o liberou sem autorização. Logo em seguida, o major foi executado sumariamente em frente ao próprio pelotão.

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Bem a propósito, terminei de ler na semana passada o livro “A declaração”, ("The statement", copyright 1996), de Brian Moore, escritor irlandês/canadense.

O livro é da Companhia das Letras e comprei numa feira do livro do Mêtro Barra Funda de São Paulo.

Nele conta-se a historia de um “fictício” Brossard, chefe da policia do governo de Vichy, na França, comandada pelo Géneral Pétain, colaborador dos nazistas, durante a segunda grande guerra.

Na verdade “Brossard” tem um nome real: seria Maurice Papon.

Maurice Papon, colaborou com os nazistas e até agiu sem as ordens deles para prender e executar pessoas, ou mandá-las para os campos de concentração.

Tinha especial preferência por maltratar judeus, maçons e comunistas.

Claro, sobrava espaço para matar homossexuais, negros, etc.

Papon quando percebeu que os alemães perderiam a guerra, engajou-se na “resistência” e buscou servir a De Gaulle.

Como prêmio fugiu da punição e fez carreira política durante muitos anos.

Foi chefe de polícia de De Gaulle.

Em 17 de outubro de 1961 recebeu ordens de De Gaulle para reprimir uma manifestação pacífica de argelinos em prol da libertação da Argélia.

Papon, no comando da polícia, não se fez de rogado, matou naquela noite mais de 300 argelinos, homens, mulheres e crianças, que eram de imediato lançados ao rio Sena, para que deles não sobrasse sinal.

Durante semanas centenas de cadáveres degolados e baleados foram encontrados no rio sem que ninguém, nem a impressa da época, especulasse a origem.

Papon, (como “Brossard” do livro) foi primeiro condenado por alguns crimes comuns; (exceto os da "Batalha de Paris" e crimes nazistas).

Posteriormente foi anistiado pelo governo de Valéry Giscard d'Estaing (1977).

Anistia posteriormente revogado por François Mitterrand.

E por empenho de grupos judeus foi posteriormente levado a justiça e condenado por “crimes contra a humanidade” e viveu foragido na Zâmbia, (justo ele que odiava negros!!!), e outros países africanos.

Finalmente foi preso e morreu aos 92 anos.

Gente ruim dura muito!

No livro “A declaração”, de Brian Moore, “Brossard” o assassino francês/nazista tem a mesma trajetória.

Recebe durante sua vida de foragido o auxílio dos grupos da extrema direita francesa e, principalmente, da igreja católica conservadora, onde costumava asilar-se sob a tênue proteção da falsa premissa de que “a lei dos homens não se aplicam aos territórios da igreja”.

Mas é interessante observar a “via crucis” do carrasco, (como Contreras e Pinochet), aos poucos ele vai perdendo amigos e colaboradores.

Aos poucos ele vai se tornando um fardo.

Ninguém, nem mesmo os extremistas de direita e os conservadores católicos, querem ver seus nomes ligados a um assassino com as mãos sujas de sangue.

Morrem rejeitados, solitários e nem sequer, no último instante, encontram o perdão.

É como Brossard descreve a própria morte, seu último instante:

“Na morte, viu os homens mortos, enfileirados, os pés encostados no muro do cemitério.... A dor o consumia, mas através dela ele se esforçava para dizer, finalmente, a prece que a Igreja lhe ensinara, o verdadeiro ato de constrição por seus crimes. ... E agora, quando pedia perdão a Deus, Ele preferia mostrar-lhe os judeus mortos.”

Creio firmemente que Contreras, ao apagar-se para entrar na vida eterna, compartilhou a visão dos milhares de cadáveres que ajudou assassinar, homens, mulheres e crianças.

É o modo como Deus nos fala: apontando nossos atos.

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Os horrorosos crimes de Contreras sempre foram acobertados. Depois da ditadura Pinochet ele foi condenado a mais de 500 anos em 58 processos, sendo que ainda existem pendentes mais 56 processos criminais sem a sentença final.

Os crimes de Maurice Papon, na civilizada Paris, também foram acobertados e o massacre dos Argelinos só foi reconhecido oficialmente pelo governo francês agora no governo de Nicolas Sarkozi.

Papon morreu na prisão pelos crimes perpetrados durante o governo nazista.

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Como se vê, gente ruim nasce em qualquer lugar, como carrapicho.

E morre como qualquer outro.

Levam dessa vida apenas o horror da vida que levaram.

Obrigado pela leitura.

Sajob