Pegadinhas na tevê

A televisão brasileira infestou a sua programação, nos últimos anos, com atrações de pegadinhas, que consistem basicamente em forjar situações aparentemente reais, levando o cidadão comum ou mesmo pessoas famosas a algum tipo de constrangimento. Pessoas do povo são gratificadas com “fama” passageira e cachês simbólicos, sem se darem conta de que foram usadas para enriquecer ainda mais redes televisivas sedentas de audiência e de lucros cada vez mais vultosos.

Essas atrações, hoje presentes em todas as grandes redes abertas de tevê, exploram a boa-fé, a tolerância, a ingenuidade das pessoas e, não poucas vezes, expõem o participante a situações que ferem sua dignidade ou fazem aflorar os mais íntimos e naturais receios humanos. Ao logrado resta, contudo, um conforto: participou de uma pegadinha e, dali a alguns dias, na tevê, seu vexame vai divertir milhões de brasileiros.

Esse tipo de programação enseja reflexões. A primeira diz respeito ao que se oferece aos participantes. Numa época em que os apresentadores de tevê são a elite econômica do meio artístico, é justa a exploração das pessoas para alavancar audiência e se enriquecerem ainda mais? Não seria o momento de os participantes, a exemplo dos artistas, também cobrarem seus cachês, sob pena de não permitirem a exibição das imagens? Essa é uma questão importante, mas a vítima, não consciente de todo o processo, aceita as desculpas, recebe o que lhe oferecem e parte para a “fama”.

Há, também, que se considerar o tipo de brincadeira idealizado. Condenam-se – evidentemente – aquelas que desconsideram possíveis problemas de saúde dos envolvidos, bem como a eventualidade de reações extremadas incontroláveis. Infelizmente, essas têm ocorrido com frequência, exatamente porque, prevalecendo a lógica capitalista do lucro a qualquer custo, vale mesmo é vencer a concorrência, não havendo tempo para reflexões e escrúpulos.

Tem-se discutido muito o baixo nível da programação da tevê, condenando-se sobretudo as baixarias veiculadas. É preciso que os observadores da mídia insiram também as pegadinhas na sua pauta de discussão. Frise-se, entretanto, que a questão fundamental é mesmo a de separar o joio do trigo, pois que nesse universo das pegadinhas há aquelas que primam pelo bom gosto, pelo humor sadio, constituindo-se numa salutar fonte de divertimento.

*Originalmente publicado em 8/09/2002 em:

http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/coluna_livre/id080902.htm