As Facas na Música Popular Brasileira
De repente, não mais que de repente, as facas entraram na moda. Na Era da AR 15, granadas, fuzis antiaéreos, drones sanguinários, sem falar nas adormecidas bombas atômicas, a faca se fez presente no cotidiano do carioca. Brilhantes facas de cozinhas, enferrujadas navalhas de corte variados. Facas para churrasco. Mas a onda de cortes sobre corpos alheios, não acontece tão “de repente” assim, embora chame a atenção seu retorno súbito às manchetes, ocupando, por breves momentos o reinado das “balas perdidas”.
Mas a faca, ou como ficaram também conhecidas, armas brancas, sempre fizeram parte do cotidiano da terra brasílis desde o momento em que o primeiro português portando uma dita cuja pisou nestas paragens. É difícil dizer quando a faca em nossas terras foi usada pela primeira vez como arma. Pode ter sido um português ao estuprar uma índia. Ou português brigando com outro e furando alguma barriga recheada de vinho e trigo. O fato é que a faca fez parte do cotidiano da nossa terra e entrou para o imaginário nacional. Termos como “furar o bucho”, ou “te meto a faca”, eram comuns até a década de 1990 pelo menos. Depois, as armas de fogo passaram a reinar totalmente e as facas foram descansar em cozinhas e churrascos até, subitamente, adentrar novamente os gramados das ruas.
Essa presença da faca em nosso cotidiano pode ser verificada, por exemplo, na música popular. Em junho de 1952, Moreira da Silva lançava, pela gravadora Continental, o samba “Na Subida do Morro”, sem apontar o nome do verdadeiro autor, Geraldo Pereira, que o vendera para o cantor por 1 conto e 300 mil réis. O samba “Na Subida do Morro” narra uma briga de malandros na subida de um morro, provavelmente o de Mangueira, por causa de uma surra que um malandro deu na mulher do amigo. O desfecho é anunciado pelo outro malandro que teve a mulher espancada: “Meto-lhe o aço no abdômen/Tiro fora o seu umbigo”. Vinte anos antes, Mário Reis, na Odeon, gravou o samba “Quando o samba Acabou”, de Noel Rosa, que apresentava como desfecho para uma briga de amor: “Lá no morro da Mangueira/Bem em frente a ribanceira/ (...)Quando o sol raiou/Foi encontrado/
Na ribanceira estirado/Com um punhal no coração”.
Fazer o uso de uma faca ou punhal para acabar com uma desavença era coisa comum. E o uso de armas brancas era, digamos assim, parte da vestimenta do malandro. Era o que dizia Wilson Batista no samba “Lenço no pescoço”, quando o malandro se apresenta dizendo: “Meu chapéu de lado/Tamando arrastando/Navalha no bolso/Eu passo gingando”. Tal imagem do malandro e por consequinte do sambista mereceu de Noel Rosa a réplica, que mais uma vez incorpora o punhal ao visual: “Deixa de arrastar o teu tamanco/ Pois tamanco nunca foi sandália/Tira do pescoço o lenço branco/Compra sapato e gravata/Joga fora essa navalha que te atrapalha”.
Samba e malandragem foram pouco a pouco se afastando a partir das novas posturas apontadas pelo Estado Novo, e o monopólio da violência se tornou cada vez mais institucionalizado. Facas e punhais foram sumindo. Ainda assim, as facas, vira e mexe, apareceram na música popular. Como no rojão “Forró em Caruaru”, de Zé Dantas, gravado em 1954 por Jackson do Pandeiro, onde os “Cabra morredô”, morriam apenas com uns rinquinhos de faca. No mesmo disco Jackson cantou o rojão “O crime não compensa”, de Genival Macedo e Eleno Clementino, onde o arrependido lista suas armas, que incluíam uma peixeira e um punhal. Pouco antes, em 1949, Luiz Gonzaga, em plena febre do baião gravou o “Forró de Mané Vito”, de Zé Dantas, onde a personagem do baião teve que sacar do punhal para se defender, acabando por liquidar o “cabra morredor” com apenas “uns risquinhos”.
O amor, em especial o não correspondido ou traído também deu ensejo ao uso de facas e punhais. Tais casos também foram retratados pela música popular em composições como o bolero “Punhal da Falsidade”, de Teddy Vieira e Zé Carreiro, lançado em 1960, pelo elos Sertanejo, pela dupla Tião Carreiro e Pardinho, mas que, na realidade, muito mais um punhal imaginário do que real: “Quando o punhal de sua falsidade/Deixou em minha alma essa cicatriz”. Já em “Punhal da vingança”, de Zé Fortuna, lançado em 1957, pela dupla Zé Fortuna e Pitangueira, o punhal vai às vias de fato: “Pegando firme o punhal da vingança/Com desespero seu peito cravou/Enquanto o sino da igreja batia/Ali Tereza sem vida tombou”.
Um dos últimos suspiros, digamos assim, da presença de facas e punhais na música popular, foi quando em 1967 Gilberto Gil lança “Domingo no Parque” que, em sua letra cinematográfica, descreve a cena fatal: “Olha a faca! (Olha a faca!)/Olha o sangue na mão
Ê, José!/Juliana no chão/Ê, José!/Outro corpo caído/Ê, José!/Seu amigo João”.
Mas na década de 1960, a modernidade na música popular e no país como um todo foi sepultando o uso de facas e punhais, deixando a cena da violência real e figurada para armas de maior calibre, num processo, aliás, já prenunciado por Noel Rosa em “Século do Progresso” em que dizia: “No século do progresso/O revolver fez ingresso/Pra acabar com a valentia”.
Hoje os tempos são outros e, na confusão geral, as facas emergem para o noticiário não mais como sinal de valentia, entrentar um igual frente a frente, na mão ou na faca. Agora as facas são as facas da covardia usadas em assaltos sorrateiros. A música popular ainda não se apoderou desse novo enredo ligado ao uso da faca na grande cidade, mas no passado facas, facões e punhais já deram o mote para a inspiração de diferentes compositores. Quiçá a moda não dure o tempo suficiente para uma nova leva de composições.