O campo minado da (in)tolerância e do fundamentalismo
No dia 07 de junho deste ano aconteceu em São Paulo a fantástica “Parada do Orgulho LGBT” (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). A 19ª parada teve como tema "Eu Nasci Assim, Eu Cresci Assim, Vou Ser Sempre Assim: Respeitem-Me!". Um nome pomposo para uma festa pomposa e cheia de gente. Gente que tem lutado por seus direitos, tem ostensivamente “saído do armário” e se entregado à verdadeira natureza de sua existência. Na mesma ocasião ficamos sabendo da propaganda da empresa de perfumes “O Boticário” que para os dias dos namorados reservou episódios onde casais gays de presenteavam tal como reza a tradição entre namorados. Bela homenagem, mas não sem problemas e falatório geral em torno de uma temática que ainda incomoda muitas pessoas, ou por desconforto, ou por intolerância. Gostaria de destacar quatro pontos:
O primeiro ponto diz respeito a todo ódio coletivo direcionado ao público LGBT. Já passou da hora da tolerância tomar lugar das mentes humanas. Já passou da hora do calar das chibatas e dos assassinatos de almas. Não existe no universo nada que se coloque contra a homoafetividade e a diferença incorporada por este outro. Portanto, é absurda essa guinada totalitária que sob a batuta de uma “verdade absoluta” resgata a ideologia hetero e faz cair em plena rua muitos direitos que no Brasil foram e estão sendo duramente conquistados.
Um segundo ponto que merece destaque é o cuidado que se deve ter ao se referir à sexualidade alheia. O Brasil produziu em poucos anos um verdadeiro exército, com infantaria, cavalaria, artilharia e tudo no intuito de fiscalizar, perseguir e punir a vida sexual alheia. “Pelo amor de Deus”: uma das poucas diferenças que temos dos animais está na capacidade da escolha racional baseada no livre arbítrio. Não cabe a qualquer ser humano adulto sugerir, policiar ou mesmo tolher a liberdade de escolha de outro ser humano. Convenhamos! A liberdade, especialmente a “liberdade negativa”, navega justamente neste princípio. A vida do sujeito pertence a ele e a ele cumpre fazer dela o que bem entender e é óbvio que ao utilizar ostensivamente da razão cumpre a este mesmo ser humano, seguir a moralidade social.
O terceiro ponto e que não está dissociado dos outros se refere às lideranças públicas que não cansam de jogar pedra aos que lhe causam certa ojeriza. Estou me referindo a uma “santíssima trindade” que em uma cruzada “pós-moderna” tem tomado os meios de comunicação. Liderada por pastores protestantes como Silas Malafaia e o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) e assessorados pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), esta cruzada é fundamentalista e apregoa que sua verdade é muito mais verdadeira que a verdade dos outros. E que não venham com críticas, porque sabemos que existem também os fundamentalistas católicos ou mesmo os das religiões afrodescendentes. O fato é que a cruzada do momento tem causado sofrimento e dor. Como se não bastasse o paradoxo do “amar ao próximo”, a “cultura do dolo” ainda tem utilizado com força a grande mídia e do poder político construído no congresso.
Finalmente, é preciso tomar cuidado com todo jogo fundamentalista e sádico. Por natureza jogadores procuram ganhar, por vezes empatar, mas a vitória é a derrota do adversário. No jogo do sexo, do gênero ou da sexualidade alheia, a guinada não é contra o adversário, mas contra o inimigo, um diferente que possa ser queimado, violentado, jogado ao chão e destruído. Este é a bola da vez, pois o inimigo do Estado Penal já está claro. Sabemos da preferência dele em relação aos pobres, negros e jovens. Em uma sociedade penal o grupo que compõem o movimento LGBT me parece o inimigo perfeito. Neles a sociedade encontra uma degeneração, uma falha ou mesmo uma ameaça à consciência coletiva. O problema é que os indivíduos não observam a coletividade e se esquecem de sua própria fragilidade. Pelo menos, até o momento em que o fundamentalista ou o sádico resolvam bater em sua porta.