Morte e luto

“Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.” – Antoine de Saint-Exupéry.

Numa sociedade econômica e socialmente estável e desenvolvida, o indivíduo começa, via de regra, a lidar mais com a morte e o luto na “idade adulta madura”, geralmente por volta do final dos 40 anos e início dos 50. É nesse período do “curso da vida” que parentes, amigos e conhecidos da mesma idade ou mais velhos começam a morrer com maior frequência. Ir a velórios passa a ser uma atividade social corriqueira.

Quanto mais próximo ou além da expectativa de vida (74 anos e 9 meses no Brasil) está a pessoa falecida, com maior “naturalidade” se dá a aceitação dos outros ante seu perecimento e tende a ser mais curto e menos intenso o luto; em sentido oposto, quanto mais jovem ou distante da expectativa de vida, mais longo e doloroso será o luto e a morte entendida como interrupção brusca da normalidade do curso da vida, pois, como escreveu Anthony Giddens em Sociologia, “em sociedades modernas, a morte costuma ser pensada em relação a pessoas idosas, pois a maioria das pessoas vive mais que 70 anos” (2012, p.217).

No segundo caso, a perda do ente querido pode ser dimensionada como golpe para parentes e amigos e tragédia para a família. Uma metáfora pode explicar tal processo: a da bomba. Ao cair no solo, uma bomba deixa um buraco em seu ponto de impacto e afeta o entorno de maneira regressiva, ou seja, quanto mais próximo do ponto de impacto, maior o abalo. A família está localizada no ponto de impacto, o buraco é a perda insofismável, o que foi retirado do seu lugar e que restará vazio. Parentes e amigos estão no entorno, sendo afetados conforme a proximidade que mantinham com a pessoa que morreu e com sua família.

A morte é dor mais profunda que a doença, eis que traz em seu absoluto a concretude da nossa impotência ante o fim do curso da vida. É a dor por quem se foi, é a dor de quem fica e a dor por quem fica. É a ausência de sentido das palavras e a importância da presença, do olhar e da solidariedade concreta, respeitosa, compreensiva e discreta. É o olhar de quem está no ponto de impacto em direção ao entorno e o de quem está no entorno em direção ao ponto de impacto que, embora contrários, convergem para um compartilhamento emocional solidário.

Doenças do coração estão entre as maiores causas de morte abrupta em pessoas com idade abaixo de 65 anos, principalmente homens. E é a morte abrupta que nos faz refletir sobre a imponderável brevidade e fragilidade do curso da vida e sobre a morte. E, para adiante desta, acerca do que está “do outro lado”, geralmente por intermédio das explicações religiosas. Igualmente nos leva a pensar sobre o significado e a importância das pessoas para a nossa vida, para a nossa família e para o nosso círculo de amizades e demais relacionamentos sociais.

Giddens ainda escreve que as sociedades modernas costumam “ocultar” a morte nos “bastidores da vida social”, em hospitais, casas de repouso e asilos. O velório é rito social e psicológico de despedida. Na morte abrupta, o “fim natural” do curso da vida é rompido e a morte sobe ao palco, confrontando nossa potência e nossa resistência.

"O essencial da nossa vida é que fique, em algum lugar, o fruto da nossa bondade" - Antoine de Saint-Exupéry.


Artigo publicado na versão impressa e na seção de Opinião online do jornal Portal de Notíciashttp://www.portaldenotícias.com.br