A INDÚSTRIA DA FELICIDADE (Milly Lacombe – Folha de São Paulo)
Livro recém lançado nos Estados Unidos chama a atenção para a forma como nossas emoções têm sido manipuladas e comercializadas por estados e corporações.
“The Happiness Industry: How the Government and Big Business Sold us Well Being” (em tradução livre, “A Indústria da Felicidade: Como o Governo e Grandes Empresas nos venderam Bem Estar”) chama a atenção para o fato de estarmos sendo conduzidos a tomar atitudes consideradas ‘corretas’ sob o ponto de vista corporativo e questiona se isso é ético.
William Davies, o autor, explica como exatamente a parceria entre autoridades políticas e departamentos de pesquisas acadêmicas pode ser desenhada para impactar nosso comportamento.
Para ele, a felicidade virou uma medição útil para o negócio de fazer dinheiro e, a fim de se avaliar o coeficiente de felicidade de cada um, vidas estão sendo a cada dia mais espionadas e controladas.
O autor explica que a indústria é capaz de “medir” felicidade das mais variadas formas fazendo uso de múltiplos aplicativos e engenhocas, e conta que algumas empresas, em nome da produtividade, começam inclusive a demitir os 10% “menos felizes”; há ainda aquelas nas quais o fluxo de emails entre funcionários é avaliado por algorítmos a fim de entender quem é mais e quem é menos feliz.
O livro também fala da indústria da publicidade e de como ela fica a cada dia mais equipada para nos condicionar a sentir o que as corporações querem que sintamos; governos e corporações estão juntos no negócio de moldar e comercializar nosso comportamento. “A melancolia não será mais socialmente aceita”, diz Davies. E, pior, governos e corporações saberão quem são os melancólicos entre nós.
Até a leitura desatenta do livro de Davies deixa claro um dado chocante: hoje nossas emoções são commodities e, como commodities, têm valor de compra e de venda.
Em entrevista para a revista “New York”, Davies disse que não está em campanha contra a felicidade, mas que é preciso que entendamos que estamos sendo obrigados a ser felizes através de uma relação de forças e poderes que é ao mesmo tempo manipuladora e clandestina.
Davies explica que governos e corporações querem nos convencer de que a forma para melhorar de vida é quantificar nossa existência. “As coisas ficam complicadas”, ele diz, “quando a existência passa a ser inseparável do trabalho. Existe a ideia de que aquilo que sentimos pelo trabalho e o que sentimos pelo restante de nossas vidas está interligado. Então estratégias de bem-estar no trabalho incluem monitoramento emocional e nutricional e todas as coisas que sugerem que não existe separação entre o que fazemos no trabalho e a experiência humana. A ironia é que o trabalho normalmente cria as condições que nos levam a ser infelizes”
Ler “The Happiness Industry” é uma experiência ao mesmo tempo reveladora e chocante, e quem quiser encarar (o livro tem versão para o Kindle) pode depois ler “Against Happiness” (“Contra a Felicidade), de Eric G. Wilson; livro pequeno e impactante que trata, filosoficamente, da importância que a melancolia e o sofrimento têm em nossas vidas. Recomendo ambos.
Milly Lacombe