Efeito Vila Rica

Fundada em 1.711, a localidade de Vila Rica de Ouro Preto entrou para a história como um dos municípios mineiros com as maiores produções de ouro do Brasil colônia. Mas a notoriedade do termo consolidou-se em 1.976, quando uma personalidade pública resolveu participar de um anúncio promocional. Com a frase “Leve vantagem você também, leve Vila Rica”, o ex-jogador de futebol Gérson personificou a figura da malandragem no país. Mesmo que a intenção tenha sido outra, à época da veiculação do comercial de tabaco e que por uma infelicidade acabou associando sua imagem ao produto. A conhecida “Lei de Gérson” é utilizada por uma parcela significativa de pessoas em diferentes circunstâncias, e só veio comprovar o que é público e notório: o brasileiro é propenso a ser corrupto e hipócrita por excelência, mesmo que não admita essa condição. Ignora completamente a premissa básica de que a ética e a moral devem prevalecer, em quaisquer situações. E que o seu semelhante deve ser respeitado em seus mais elementares direitos, incluindo-se aí uma necessária passagem pela honestidade, lisura e decência, entre tantos outros sinônimos análogos.

É imprescindível avaliar o poder de palavras tão contundentes, porém seu emprego nada mais é do que o retrato cruel de um comportamento por vezes inexplicável, passível de análise mais profunda por profissionais da área de ciências comportamentais. Em acontecimento trágico numa rodovia paranaense, em meio a corpos dilacerados e vítimas com ferimentos graves espalhadas como a um “front” de guerra, alguns usuários da rodovia simplesmente ignoravam o sofrimento alheio. Aproveitando-se da confusão, tiveram a ousadia de furtar pertences dos envolvidos no acidente. A deprimente cena foi presenciada por diversas testemunhas, sendo o fato citado nos veículos de comunicação. Como justificar um ato desses, num momento de tamanha gravidade? O que pensam esses energúmenos, cuja única preocupação naquele instante foi a de tirar algum proveito com a desgraça alheia, subtraindo objetos de pessoas fragilizadas e incapazes de proteger seu patrimônio? Qual a classificação para seres tão abjetos, se é que se poderia (diante de ato tão desprezível) qualificá-los como tal, perante suas consciências e o sofrimento dos familiares dos envolvidos? A insignificância do valor material obtido com essa atitude deplorável foi realmente o verdadeiro motivo para tal conduta?

Não é novidade alguma que o brasileiro (com fartas exceções, felizmente) tem o mau costume de tentar levar vantagem em tudo. Seja nas relações do comércio, nos negócios, nas atividades profissionais ou em qualquer ocasião em que vislumbre a oportunidade de obter algum benefício em proveito próprio. O que deveria ser uma exceção acaba se tornando regra, quando a possibilidade surge à sua frente. A conhecida “pegadinha” do dinheiro perdido na rua comprova essa triste teoria. E a justificativa mais utilizada é a que “se os outros fazem, por que não posso fazer o mesmo?”. Essa avaliação depreciativa do próprio comportamento sugere uma formação moral deficiente, que persiste por gerações. O exemplo mais lembrado quando o assunto é desonestidade são os políticos, considerados indistintamente como corruptos. Ocorre que o eleitor tem o mesmo nível de responsabilidade no momento em que deixa de acompanhar o trabalho de seu representante, ou “comercializa” seu voto, ou ainda quando barganha com aquilo que seria sua arma mais eficaz no exercício da plena democracia.

Seria inútil buscar justificativas para certas atitudes de algumas pessoas. Os motivos desse comportamento são amparados por conceitos equivocados, em que os valores que carregam consigo são reduzidos a algumas poucas noções de civilidade, insuficientes para o preenchimento dos requisitos básicos de cidadania. Assim como o ex-jogador, reconhecer os erros é uma maneira positiva de mudar radicalmente os pensamentos e atitudes, postura necessária enquanto regidos pelos ditames de uma convivência em sociedade. E que Vila Rica seja lembrada somente como as terras que abrigaram uma extraordinária lavra no grande estado de Minas Gerais.