13 de Maio de 1888 e.......???

Permito-me retornar ao tema tratado em 22/02/15, sob o título “Beija-Flor: a farsa ética e moral”, com o propósito de prestar homenagem ao histórico dia, há muito relegado ao esquecimento.

13 de maio de 1888: Quando da assinatura da Lei Áurea, a Princesa Isabel que a promulgou, ouviu de João Maurício Wanderley, o então escravocrata Barão de Cotegipe: “A Senhora acaba de redimir uma raça e perder o trono”.

Antecedendo ao texto, reporto-me a duas recentes matérias da lavra do colunista Luiz Fernando Vianna (FSP), aqui fragmentadas:

Desvios de conduta: “A chacina de Vigário Geral (21 pessoas mortas por policiais em 29 e agosto de 1993) é o alicerce sobre o qual se ergueu o Grupo Cultural AfroReggae, nascido na favela carioca. Nestes mais de 20 anos, a ONG amealhou parceiros poderosos, entre empresas, políticos e artistas. Seu líder, José Júnior, virou ícone do que pode ser chamado de ativismo sociocultural. Em 2 de abril, quando Eduardo de Jesus Ferreira, morador do Complexo do Alemão, foi morto por um tiro de fuzil aos 10 anos, Junior escreveu no Facebook: “Esse menino, segundo informações, era bandido. Provavelmente, se fosse bandido, poderia ter matado um policial se tivesse oportunidade”. Depois, alegou que suas palavras foram distorcidas e pediu desculpas aos pais da criança.”

Sangue negro: “Não que o Brasil precise de mais um feriado, mas é significativo que 13 de maio esteja fora das “datas nacionais”. Pouco celebramos aquele dia de 1888 em que, com vergonhoso atraso, aboliu-se a escravidão. Ela é a nossa tragédia maior e, paradoxalmente, também a nossa glória, pois não seríamos nada, em qualquer aspecto, sem a presença africana”.(...)

Prossegue: “Cegos para a verdade, banalizamos a brutalidade. Pesquisa divulgada no dia 7 – por UNESCO, governo federal e Fórum Brasileiro de Segurança Pública – aponta que jovens (12 a 29 anos) negros são duas vezes e meia mais vítimas de homicídios do que os brancos. O último Mapa da Violência, com dados de 2010, mostra que são negros 75% dos jovens que tiveram morte violenta.”

Conclui: “E ainda há o quartinho de empregada, a entrada de serviço, a roupa branca das babás, os salários menores.....Pode ser que falte festa para o fim da escravidão, porque ela ainda não acabou de fato.”

A minha pergunta para o Holocausto: os judeus foram vítimas ou cúmplices da barbárie?

A pergunta para este nosso Brasil atolado até à medula na corrupção: somos vítimas ou cúmplices desse perverso processo?

Para essa hedionda discriminação racial incrustrada em nossa sociedade, somos vítimas ou cúmplices? Melhor, a raça negra é vítima ou cúmplice de seu próprio infortúnio?

Caso o raro, abnegado e paciente leitor incline-se por nos auxiliar em busca de resposta, ou respostas, para a inquietante pergunta, reproduzo o texto já publicado.

Beija-Flor: A Farsa Ética e Moral.

Afinal, o que a Beija-Flor e sua comunidade negra comemoram tanto?

A raça negra, este exemplo tangível e notável da capacidade humana de resistir ao brutal processo de sua escravidão foi, durante séculos, hediondamente massacrada, pisoteada, estraçalhada até que seus homens, suas mulheres e crianças perdessem suas essências exteriores como humanos.

Degradados física e psicologicamente sob a tortura dos grilhões e das chibatas, foram transformados em seres sem vontade, sem sentimentos, sem sonhos e sem futuro pelas sociedades escravocratas que, barbaramente, os dominaram. Restou-lhes a alma e suas crenças.

Quando da assinatura de Lei Áurea, em 13 de maio de 1.888, a Princesa Isabel que a promulgou, ouviu de João Maurício Wanderley, o então escravocrata Barão de Cotegipe: “A Senhora acaba de redimir uma raça e perder o trono”.

Redimir quem, cara-pálida?

Foi com o que lhes restou de alma e crenças que se rebelaram e surgiram os quilombos. Quando da proclamação da lei que aboliu a barbárie, o interesse pelo regime da escravidão, limitado pelas leis do Ventre-Livre e Sexagenários, já se inclinava para o ocaso e se encontrava sob fortíssima ação dos abolicionistas, além da chegada da mão-de-obra barata oriunda da imigração.

Raça negra, esteio submerso da maior potência econômica e de uma das sociedades mais avançadas do planeta; esteio submerso da colonização deste país, ainda que estacionado no tempo, atolado nos desmandos, sufocado por uma corrupção endêmica que destrói seus valores éticos e morais.

Talvez a destruição de tais valores possa responder pelo absurdo que se presenciou quando negros, em sua magnífica negritude, sangue do sangue de seus algozes, se curvaram fantasiados em reverência e homenagens àqueles que trucidaram seus irmãos ancestrais, homens, mulheres e crianças amontados como animais em navios negreiros, pouco importando quem sobreviveria. Os cálculos das perdas nos negócios eram percentuais e não em corpos e almas. Mercadoria e negócios, não seres humanos.

Raça negra, esta raça negra sólida em sua negritude e vítima de uma das maiores, senão a maior das atrocidades humanas já cometidas pela hedionda barbárie de seu próprio povo e acalentada pelas sociedades escravocratas do Novo Mundo, onde ter escravos era, simplesmente, natural.

Somente o submundo da alma pode explicar um fenômeno de tais proporções. Se é que alma tenha submundo. Uma barbárie sendo reverenciada, homenageada, exaltada, aceita e comprada pelo dinheiro sujo e encharcado com seu próprio sangue. Sangue de homens, mulheres e crianças acorrentados por um destino que lhes foi imposto pelo seu próprio povo.

Registros recentes dão conta que 667.000 escravos morreram a caminho do nosso país. Segundo estatísticas, recebemos por aqui cerca de 4,9 milhões de corpos negros, não interessando que fossem homens, mulheres e crianças desde que fossem escravos, parissem escravos ou se tornassem escravos.

Angola e Congo foram os principais fornecedores. No Rio de Janeiro, onde desfilou a ricamente organizada Beija-Flor, estima-se que tenham aportado cerca de 3 milhões de corpos. O Cais do Valongo, o maior porto escravagista da história, candidata sua inserção como Patrimônio da Humanidade. Em decorrência da proibição de que transitassem pelas principais vias públicas “não apenas carregados de inúmeras doenças, mas nus”, em decisão de 1774, do vice-rei Marquês de Lavradio, os escravos desembarcados dos navios negreiros passaram a ser levados para o Cais do Valongo.

“Na Guiné Equatorial os portugueses colonizaram as ilhas de Bioko, Annobón e Corisco em 1494, e converteram-nas em postos para o tráfico de escravos.”

Não se dispõe de dados estatísticos sobre o comércio e o tráfico pelo entreposto da Guiné Equatorial.

“Em 1641 a Companhia das Índias Holandesas estabeleceu-se sem o consentimento português na ilha de Bioko, centralizando ali, temporariamente, o comércio de escravos do golfo de Guiné, até os portugueses voltarem a fazer sentir a sua presença na ilha em 1648, substituindo a Companhia Holandesa por uma própria Companhia de Corisco dedicada ao mesmo comércio, construindo uma das primeiras edificações européias na ilha, o forte de Ponta Joko.”

Aí, temos: Companhia de Corisco dedicada ao mesmo comércio, ou seja, ao comércio de escravos.

“O reinado de terror de Francisco Macias Nguema – da independência, em 1968, a sua derrubada, em 1979 – forçou a fuga de um terço da população do país. Além de ser alvo de denúncias de ter cometido genocídio contra a minoria étnica Bubi, ele ordenou a morte de milhares de suspeitos oposicionistas, fechou igrejas e governou em uma época de colapso econômico.”

“Seu sucessor, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, assumiu em um golpe de Estado e tem demonstrado pouca tolerância com a oposição durante suas três décadas no poder. Ainda que o país seja, nominalmente, uma democracia multipartidária, eleições têm sido, de forma geral, consideradas fraudulentas.”

“O país ocupa a 144ª posição em 2014 do Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas. A ONU diz que menos de metade da população tem acesso a água potável e que 20% das crianças morrem antes de completar cinco anos”.

“O regime autoritário no poder na Guiné Equatorial tem um dos piores registos de direitos humanos no mundo, e consegue se manter como o "pior do pior" no ranking da pesquisa anual da Freedom House de direitos políticos e civis. Repórteres classificam o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo um dos "predadores" da liberdade de imprensa”.

“O tráfico de pessoas é um problema significativo, de acordo com o"US Trafficking in Persons Report", de 2012, que afirma que "a Guiné Equatorial é uma fonte e destino para mulheres e crianças vítimas de trabalho forçado e tráfico de sexo."

Seria esta estarrecedora realidade que a Beija-Flor estaria homenageando, reverenciando e exaltando com suas suntuosas fantasias, ricamente adornadas pelo dinheiro arrecadado com a venda das almas dos seus irmãos, sangue do seu sangue?

E depois me falam de racismo, de intolerância racial, de Direitos Humanos, de desigualdade e outras divagações do gênero.

Tal como fiz em recente artigo, volto a recorrer ao filósofo Étienne de la Boétie (1530-1563), comentado pelo jornalista João Pereira Coutinho em “A servidão Voluntária”:

“São, pois, os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que deixassem de servir. É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios”.

“Nomes como Václac Havel que, ao apelarem para o “poder dos sem poder”, repetia o que Boétie dissera antes dele: um povo que não é cúmplice da mentira, também não será cúmplice de sua própria servidão”.

Afinal, a Beija-Flor está comemorando o quê, mesmo?

Bellozi

22/02/15

Referências: obras/Wikipédia.

*Cecília Ritto – reportagem História - Revista Veja.

*Cais do Valongo – reportagem FSP.

*José João Pereira Coutinho, historiador e cientista político português. É Professor da Universidade Católica Portuguesa. Colunista do jornal a Folha de São Paulo.

*Václav Havel foi um escritor, intelectual e dramaturgo checo. Foi o último presidente da Checoslováquia e o primeiro presidente da República Checa.

*Étienne de La Boétie (1530 – 1563) foi um humanista e filósofo francês, contemporâneo e amigo de Michel de Montaigne. Deixou sonetos, traduções de Xenofonte e Plutarco e a obra “Discurso sobre a Servidão Voluntária.

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bellozi
Enviado por bellozi em 13/05/2015
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