DOUTOR FULANO
DOUTOR FULANO
O assunto é polêmico, mas a controvérsia é minha praia predileta. É impressionante como o brasileiro gosta de ser chamado de “doutor”, mesmo que não seja no lato sensu mais amplo. É por isso que todo “flanelinha”, garçom de restaurante, porteiro de boate e manobrista de hotel costumam chamar os usuários de seus serviços de doutor.
O fato é que no Brasil todo aquele que possui um curso mero superior gosta do titulo em questão. Primeiro, coisa de sessenta anos atrás, foram os advogados que avocaram a si o título pomposo. Depois os médicos e a partir daí vieram economistas, engenheiros, dentistas, e hoje até os graduados em corte-e-costura e gastronomia apensam o “doutor” em seus nomes. Os médicos e os juízes de direito são os que mais usam, mesmo sem doutorado, o “doutor fulano”. O uso tem características históricas, pois desde antanho se costumava levar os enfermos ao “doutor” e os advogados usam aquele título para homenagear os magistrados.
Recordo uma vez, na Caixa, eu que tive que dissuadir um cliente, advogado que queria o título de doutor antes de seu nome na ficha cadastral. Tem gente que não abre mão da plaquinha, na porta da casa, escritório ou consultório onde aparece o pomposo “doutor fulano”. Num edifício onde morei, em Pelotas, logo que cheguei o zelador pediu meu nome, para colocar no painel onde continha o nome de todos os moradores. Quando fui notar, uns dias depois, vi que antes do meu nome estava o vetusto Dr. Perguntado, o zelador informou que era ordem do síndico, dado ao “gabarito” do prédio.
Tem gente que já se apresenta como “doutor fulano” sem se constranger com o uso cabotino do título em questão. Nesses casos eu costumo perguntar “ele tem doutorado em quê?” O fato é que graduados em cursos superiores, sejam quais forem, adoram indevidamente o “doutor fulano”, mesmo sem a necessária pós-graduação de mínimos dois anos. Tive um colega, bacharel em Administração, cuja família e até mesmo os serviçais, o chamavam de doutor. A viúva, até hoje, depois do divórcio e mesmo da partida, se refere a ele como “o doutor”. Conheci um bispo que, do alto de empáfia, se assinava “Dom Frei Doutor Fulano...”.
Doutorado por uma universidade europeia de primeira linha, eu às vezes uso o “doutor” em meus escritos, não por vaidade mas para o pessoal ver com quem está se metendo.
Há dias liguei para um médico conhecido. Queria saber o estado de saúde do pai dele. Quando a secretária me perguntou quem era, respondi “Doutor Antônio Galvão”. E não menti, pois, embora não faça alarde, tenho doutorado. Em segundos o amigo atendeu minha ligação. Se informasse apenas meu nome, a moça ia perguntar “de onde?”, “qual o assunto?”, “você é paciente?” E talvez meu objetivo não fosse atendido. Como conheço a psicologia dos brasileiros usei o abre-portas “doutor” e tudo se agilizou.