Walking Deads

Existe limite para o descaso ?

É possível estabelecer parâmetro de avaliação para a incúria humana ?

Como medir o grau de importância ou valor que uma pessoa dotada de razão pode ter em relação ao bem comum e a tradição ?

Difícil, talvez impossível.

Mas, basta passar pelo centro velho de S.Paulo para intuirmos que qualquer avaliação que possamos fazer, ainda será muito pequena em relação ao tamanho do descaso e do abandono em que transformaram as ruas do centro velho de S.Paulo, notadamente o entorno do velho Teatro Municipal, local histórico, onde os modernistas de 22 lançaram sua diatribe contra o ranço passadista dos medalhões da época, tentando romper a letargia de um país que parecia querer ser eternamente colônia.

Lembro que no passado era um lugar de glamour, onde as pessoas de bem iam no final do ano para verem as vitrines natalinas, a feérica iluminação que a todos encantava.

Hoje, cinza, sujeira pelas ruas, pessoas, bandos enormes, dormindo, comendo, fazendo as necessidades de suas tristes vidas, pelas calçadas antes vetustas, deitadas sob as marquises de prédios art-decó, hoje tomados por tapumes de movimentos sociais.

Logo cedo, as sete da manhã, se pode ver a romaria dos desvalidos se dirigindo a lugar nenhum, arrastando seus andrajos e seus olhares vazios em busca das migalhas que até animais desprezam.

Entre eles, pessoas passam apressadas segurando firmemente suas sacolas e bolsas junto ao corpo, olhando para o chão no seu passo apressado e indiferente.

Parece que aquelas ruas vertem pelo chão eternamente as águas fétidas dos detritos humanos que carreiam, marcando o lugar com seu cheiro característico.

É possível ver grandes grupos de policiais, civis e militares, no seu passo lento, também passando e olhando indiferentes. Podemos ver o lindo prédio onde existiu o famoso cine Marrocos (ainda com sua logomarca nas colunas) tornado em moradia de sem teto, e incrível, pessoas morando no cine Marrocos!

O cine Paiçandu, esse, está obliterado por tapumes e grafitado por palavras de ordem de movimentos de toda ordem. Parece que todo mundo tem algo a reivindicar, menos a dignidade da cidade.

Como foi possível tamanha degradação?

Como nós, paulistanos não nos demos conta da gigantesca traição e do descaso de sucessivos governos, que causaram a nossa querida cidade essa tragédia.

Como fomos capazes, também nós, de sermos indiferentes?

Assim, como as belas alamedas dos campos elísios (hoje em minúsculas, sim) que foram tomadas pelos “walking deads” da falada sociedade moderna e sua incompreensível necessidade de serem farrapos humanos vergados pela droga, assim também os andrajosos do teatro municipal mostram a todos nós a face cruel do descaso politico, econômico, cultural, nos atirando de volta, como troco, a degradação de nossa cidade e de seus lugares históricos.

Qual será, no futuro, nossa recompensa?