A criança, a política e a cultura
Tenho percebido que neste início de governo estadual nenhum governante ainda não declarou ou defendeu os direitos ou políticas públicas voltadas às crianças. A questão é preocupante. Cuidar dos pequenos é obrigação, dado que as políticas direcionadas à adolescência e à juventude ou andam como pés de tartaruga ou inexistem tal como fantasmas em Natal. O fato é que as crianças ainda sofrem, e não é por pouco neste país, de representações coletivas que vão além da ignorância e da falta de políticas públicas razoáveis. Vamos a algumas.
Em primeiro lugar, já passou da hora do tema “infância” se tornar política de governo. Não é dizer demais que elas merecem um ministério, uma instituição voltada aos seus interesses políticos e vultosos recursos, dado que a infância é parte do que se entende por políticas com demandas infinitas, ou seja, nunca terminam por sua própria natureza. Este descaso com a infância, ou seja, com aqueles que têm menos possibilidades de disputar os recursos (sociais, políticos, econômicos e simbólicos) disponíveis na sociedade é norma. No Brasil não é necessário nem escrever muito sobre essa necessária demanda. Os políticos são inúteis, sabem muito bem que as crianças não votam e que a questão não passa muito pelas demandas coletivas porque a ideia é a de que “cada um cuide de sua cria”. Bom frisar que este pensamento não deixa de ser um bom fundamento de descrença em autoridades que sequer deram conta da crise hídrica.
Em segundo lugar, é preciso entender que a criança não é um adulto em miniatura. Não merece a visão adultocêntrica que reveste suas relações. Não cumpre à criança vegetar no mundo infernal do trabalho. O ser em nascimento pela vida deve brincar e estudar. Merece por obviedade, respeito, paz, carinho, cuidado e atenção. O nosso descaso com o dia a dia dos pequenos transformou-se em banalização e a infância foi desencantada. Dificilmente não vemos adultos maltratando, espancando, utilizando e violentando crianças. Os meios de comunicação pipocam notícias diárias sobre casos de deixar cabelo em pé. O arcabouço jurídico em voga é uma mentira sem fim e dele ainda fazem parte processos de punição e crueldade sem fim.
Por último, o leitor pode afirmar que tudo isso não passa de “obrigações dos pais”. Argumento falacioso e reduzido à miopia daqueles que desconhecem o que anda acontecendo no mundo. Sabemos que os países desenvolvidos - notadamente o Japão, a França ou Portugal - estão carentes da infância. Por lá parecem que resolveram deixá-los de lado não merecendo sequer virem ao mundo. São sociedades de solteiros ou de casados sem filhos. Um problema sério para uma sociedade: a criança, além de ser um sujeito produtor e reprodutor de cultura é um precioso meio de socialização de atores que outrora pareciam em descontrole, esquecidos e divididos. A criança é um sentido para a vida. Dito de outra forma: crianças são produtoras de relações sociais, relações de esperança, temperança, perseverança e fé. É bem verdade que muitos ignoram, mas não é mais possível esquecer a cultura infantil que remexe nervos e emoções dos adultos e que grita aos quatro cantos do mundo a necessidade de sua existência e reconhecimento.