Não aos estéreis tipos

Tenho uma amiga que, toda vez que nos falamos, pergunto como ela está e ela responde: "aahhh... daquele jeito... canceriana, né. Sabe como é...".

Outro dia, uma pessoa viu meu filho mais velho usar a calculadora e reagiu com espanto: "oooo quêêê??? Mas ele não é autista??? Ele tá usando a calculadora porque quer, né? Não porque ele precisa...".

Agora há pouco ouvi numa rádio: "Mulheres são mais emotivas. Homens são mais racionais, por isso somos assim....".

E cada vez que isso acontece não consigo sentir outra coisa senão opressão. Não é nem uma questão de acreditar ou não em astrologia. Mas de sermos todos impelidos a assumir cegamente um estereótipo. "Sou mulher, portanto, tenho que agir assim". Ou "eu ajo assim porque sou mulher e pronto. Não posso ser diferente disso".

Depois, surge uma guerra feita de coxinhas X petralhas e ninguém mais consegue fugir disso. Todo mundo aparece com argumentos bastante genuínos, mas na raiz, tudo está igual seguem os "ele é gay, mas é legal". "É baiano, mas trabalha". "É mulher, mas dirige bem". "É autista, mas fala com as pessoas". "É canceriano, mas é racional". "É de esquerda, mas tem uma empresa".

Se a gente parar pra se avaliar por um instante, vai perceber que toma decisões baseadas em estereótipos impostos e não por livre escolha. Dia desses um vereador aqui e Brusque postou: "sou de direita. Por isso penso assim".

Então fiquei pensando no quanto a vida desse cara deve ser um saco porque, ainda que ele tenha vontade, inclinação ou impulso de pensar e agir diferente do simplesmente esperado, sempre vai ter algo dentro dele para bloqueá-lo.

É um paradoxo porque o discurso vigente hoje é o do "liberalismo" e, dentro de um estereótipo, as pessoas confundem isso com liberdade. Falam de ditaduras de cá e de lá quando o que menos se tem é liberdade, seja em que condição for.

Estamos presos em centenas de caixas de papelão que nos impedem de aceitar que um gay pode ser um ótimo pai/ mãe, uma mulher pode ser uma ótima chefe, uma mãe consegue trabalhar fora, um crente pode cometer um crime, um padre pode ser pedófilo, um cristão comete inúmeros pecados, um político pode ser honesto, um homem pode ter sentimentos e um músico pode não ter tatuagem, ter cabelo curto e viver do seu trabalho.

Esquecemos de um exercício fundamental que é a mudança de paradigma. Não questionamos os paradigmas. Aceitamo-los, sem reação, impondo a nós mesmos o pior tipo de ditadura que existe, que nos faz tolher a nossa autonomia automaticamente e por conta própria e ainda nos faz crer que isso não passa de instinto de sobrevivência.

Mentira.