QUARTO PODER & CÃO DE GUARDA

Entre 1960 e 1970 criaram força, especialmente nos Estados Unidos, as expressões “quarto poder” e “cão de guarda” para caracterizar a Imprensa. Hoje, se quisermos usar estes conceitos, não basta mencionar a Imprensa, mas a Mídia. A Mídia inclui múltiplas formas de comunicação: imprensa, rádio, TV, internet, redes sociais... Esta grande mídia é poderosa e vigilante.

Onde há poder sempre surgem confrontos, conflitos, dominações, corrupções, organizações, leis e influências. Por isto, será que a imprensa na sociedade, realmente, é um “quarto poder”? Desde o início de seu uso o conceito se tornou polêmico, pois, segundo Montesquieu, a democracia governa com três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Então haveria lugar para um “quarto poder” na democracia?

Quando a imprensa começou a interferir nos poderes políticos, exigindo liberdade para fazê-lo, reis, ditadores, tiranos, e mesmo autoridades democráticas avaliaram esta exigência como abuso. Em países com regimes absolutistas e ditatoriais muitos jornalistas foram presos e assassinados (o que acontece ainda até hoje em muitos lugares!). Mas, em países democráticos, os conglomerados da comunicação não se deixaram vencer, e impuseram seu poder. E assim se constituiu de fato uma imprensa poderosa, análoga a um “quarto poder”. Nos Estados Unidos este “quarto poder” se demonstrou forte especialmente no Watergate e na Guerra do Vietnam.

Mas, para muitos críticos, caracterizar a imprensa como “quarto poder” não era suficiente. Porque, neste “quarto poder” não havia, propriamente, participação popular. O povo ficava passivo, assistindo os poderes se digladiando. Os grandes conglomerados da imprensa demonstravam seu poder de informar, denunciar e criticar e exigir providências. O povo não participava. Para muitos não era suficiente que a imprensa explorasse e investigasse os acontecimentos, informando o povo sobre os acontecimentos. A função da imprensa deveria ser ampliada. Dali a ideia da imprensa como “cão de guarda” (watchdog) e não só como “quarto poder”.

Em 1977, o professor Vincent Blasi, nos Estados Unidos, formulou os fundamentos da imprensa como “cão de guarda”. Neste conceito, a imprensa se constitui em olhos e ouvidos dos cidadãos.

O poder da imprensa é parte integral do processo social e político de um povo. Ela se posiciona contra os excessos de poder do Governo. A imprensa livre alerta o público frente aos abusos e à corrupção do Governo. A imprensa descobre e dissemina informações; defende os direitos individuais; se posiciona em relação à corrupção, às ações erradas e à incompetência dos governantes; a imprensa contribui na formação de ideias; na determinação do verdadeiro; na constituição do diálogo democrático em questões públicas.

A imprensa, como “cão de guarda” no Estado, entende que a saúde da democracia depende do envolvimento público nas atividades políticas. E isto depende, em grande parte, da participação dos cidadãos no processo comunicativo.

Isto nos leva a entender que o poder da imprensa como “quarto poder” depende da própria imprensa. O poder está nas mãos de uma grande imprensa poderosa: grandes jornais, grandes revistas, jornalistas exímios... Diferentemente, a imprensa, como “cão de guarda”, depende do envolvimento do público no processo de diálogo social, na preocupação com escândalos, na denúncia do cinismo político dos governantes. A imprensa como “cão de guarda” contribui para empoderar os “sem poder” e os “indefesos” da sociedade. Isto acontece, hoje, pela disseminação de redes sociais, pela multiplicidade da mídia.

O atual governo brasileiro, embora se diga democrático, ainda está muito preocupado com a imprensa como “quarto poder”. Por isto, as constantes ameaças de uma regulamentação da imprensa, de restrições à liberdade na comunicação, típico de regimes absolutistas e ditatoriais. O Governo tem medo da imprensa e, para governar, fica aguardando os grandes jornais e as grandes revistas para ver o que noticiam e denunciam em suas edições de fim de semana. E o ridículo é que nossos governantes, em vez de planejarem para a solução dos problemas a curto, médio e longo prazos, só reagem em função das notícias e denúncias semanais da mídia.

Os políticos deveriam estar muito mais preocupados com o significado e função da mídia em nosso tempo. O poder desta mídia provém muito mais do fato de ela ser “os olhos e os ouvidos do povo”, que proclama por sua boca a realidade da situação social. De fato, a Mídia em nosso tempo é o “cão de guarda” dos acertos, equívocos e abusos de poder, seja de onde vierem.

Inácio Strieder é professor de filosofia - Recife- PE.