Estão enganando você. Não existe indivíduo.

Instituímos padrões que não alcançamos. Criamos processos dos quais não damos conta. Fazemos exigências que nunca cumprimos. Projetamos deuses que não nos oferecem as respostas que procuramos. Quando os resultados não são aqueles que esperamos, há uma culpa pronta para absorver toda a nossa frustração.

Eternamente procuramos álibis para a nossa própria cegueira. E se alguém tenta nos abrir os olhos, voltamo-nos contra ele.

Trago uma triste notícia.

A natureza não é perfeita. Não existe uma ordem natural das coisas. O universo é o caos. Deus é o caos. Sem caos não há vida. Se todas as coisas seguissem uma perfeita ordem natural, o acidente que nos criou, assim como aqueles que criaram a cerveja, o uísque e o pneu, poderia não ter acontecido. Mesmo considerando que sejamos grandes coisas e que a nossa criação não tenha sido um acidente, isso não muda nada.

Ninguém é uma ilha. Nenhum acontecimento é isolado. Não há controle sobre a vida. Você pode até ter aprendido a escolher as células que vão determinar os olhos azuis do seu filho no laboratório, mas não vai conseguir fazê-lo gostar mais de batatas do que leite em pó e nem impedi-lo de se apaixonar pela garota da escola. Ou pelo garoto...

Os resultados sempre irão atingir instâncias não programadas e envolverão pessoas não previstas. Para o bem ou para o mal, você sempre irá mais longe do que imaginava.

É essa estratégia perniciosa de atribuir todos os processos à natureza e depois entregar os resultados a um tal de Deus que nos impede de perceber isso. Somos responsáveis. Ou melhor, as responsabilidades são nossas. Enquanto não as assumirmos, viveremos todos esses conflitos, das grandes guerras às pequenas diferenças pessoais. Estaremos condenados a conviver com aquilo que é diferente classificando-o como diferente. Morreremos acorrentados a eternos pré-conceitos.

Parece estranho falar de responsabilidade no meio do caos. Mas é possível que a resposta esteja justamente no paradoxo. Considere: se tudo realmente seguisse uma ordem perfeita pré-estabelecida, também não existiram problemas. Por outro lado, tudo estaria parado, nada nunca mudaria e o novo jamais surgiria.

Angustiadamente buscamos o amuleto da paz. Sofremos pela falta de certezas. Morremos e matamos em nome de ilusões todos os dias. Porque ainda não alcançamos a capacidade de encontrar a ordem que tanto queremos. Desculpe interromper sua corrida, mas ela sempre esteve aí. O tempo todo. Bem aí. Dentro de você.

Jogamos toda a responsabilidade na natureza e em um ou mais deuses e não nos damos conta de que tudo isso é o que nos compõe por dentro e por fora.

Somos deuses. Somos parte da natureza assim como o nosso nariz é parte do nosso rosto. Não há como ficarmos apartados nem da divindade que idealizamos nem da natureza que cremos explorar.

No meio desse caos ativo e criativo, todos nós somos apenas parte dele e estamos todos ligados, gostemos disso ou não.

Não existe indivíduo.