Eram lá pelas 20:00hs. do dia 18 deste dezembro, quando soa a campainha. Eram nossos vizinhos de frente Elza e Eustáquio Gomes. Gente simples, carismáticos, amigos de verdade, que vieram agradar-nos trazendo panqueca feita por ela, que tanto gostamos pela delícia de seu sabor. Abri o portão do prédio, Cláudia foi à porta, coloquei farinha na panela já quente, de carne cozida com mandioca, planejando degustá-la na companhia de uma cervejinha bem gelada, quando Taquinho apareceu:- não poderiam ter chegado em momento melhor – falei. Entrem!
Em pouquíssimo tempo, já estávamos forrando a barriga e colocando a prosa em dia. Conversamos horas, afinal os amigos moram do outro lado da rua. Foi um momento de enorme felicidade que, ao mesmo tempo em que eu o vivia, o comparava com um daqueles que desfrutara junto aos meus queridos pais e irmãos, na infância.
Foram embora e garanti pra mim mesmo: - esse episódio irá para o Recanto das Letras. Ah, irá! E olha que, há meses que não viajo pelas suas páginas. Mato outra saudade. Tudo de bom!
No outro dia, pesquisando na internet para avivar ainda mais a lembrança, encontrei o texto “Saudades das visitas de antigamente”, uma verdadeira “pérola” escrita por um professor da Universidade Federal de São João Del Rei. De imediato, seu texto removeu-me da intenção de escrever qualquer coisa daquele rico momento. É completo.
Restou-me render à sua tamanha perfeição e pedir licença ao mestre para transcrevê-lo para o Recanto das Letras onde muitos podem compartilhar comigo. Então vamos!
“Saudades das visitas de antigamente”
Para quem não perdeu o gosto por um bom dedo de proza.
Sou do tempo em que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho por que a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé. Geralmente à noite. Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
- olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre. E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos.
Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.
- Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável! A conversa rolava solta na sala.
Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre.
Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro...casa singela e acolhedora. A nossa também era assim. Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
- gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoito, leite...tudo sobre a mesa. Juntava todo mundo e as piadas pipocavam. As gargalhadas também. Pra que televisão? Pra que rua? Pra que droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança... Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam... era a vida transbordando simplicidades, alegria e amizade. Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa. A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta. Olhávamos, olhávamos, até que sumissem no horizonte da noite. O tempo passou e me formei em solidão. Tive bons professores, televisão, vídeo, DVD, e-mail...
Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa.
Vamos marcar uma saída!..-ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas.. Pra que abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, dos biscoitos, do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!

“Saudades das visitas de antigamente”
(http://actio-de-scriptum.blogspot.com)
Texto de José Antônio Oliveira de Resende (Professor de Prática de Ensino da Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura da Universidade Federal de São João Del Rei)
Postado por Kassya Mendonça

Feliz Natal e Próspero Ano Novo!
José Antônio Oliveira de Resende
Enviado por Afonso Rego em 23/12/2014
Reeditado em 10/04/2019
Código do texto: T5079320
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