MENSAGEM PELO TEMPO - Roberta Lessa

UMA QUASE ALUSÃO AO PASSADO RECENTE

Ainda ouço a voz de minha mãe, afinadinha, ecoando por entre minha infância, a cantar tesouros como "Meu Primeiro Amor"., essa sensação sempre vem acompanhada do doce cheiro do mato, das plantas, das frutas, do verde e demais cores e sabores, como o do doce no tacho de cobre, feito com as frutas colhidas fresquinhas, e que foram plantadas com as mãos daqueles que foram origem do que sou.

A recordação corre livre solta e novamente me vejo pisando por entre canteiros e canteiros de sonhos correndo atrás das borboletas rurais, cigarras atinais e beija flores enluarados de amor, hoje bichos raros de encontrar fora do imaginário ou de matas restritas por cercanias.

Na cozinha havia o inesquecível crepitar das achas de lenha no fogão, deixando livre no ar as fagulhas que teimavam imitar o movimento dos ousados pirilampos a dançarem lá fora no terreiro de chão batido.

Sentada na cadeira de palha ao lado do fogaréu de seu fogão à lenha, a guerreira Estephania, aguardava os momentos de mexer o tacho onde fazia o doce com as goiabas mais abençoadas e vermelhinhas que eu conhecera e jamais vira ou comera em lugar algum. Ajoelhada em frente ao altar improvisado em cima do armário da cozinha, recheadinho de fé aos santos de devoção, essa altiva e ativa avó de lembranças vívidas, com seu vestidinho florido de algodão, avental marcado pela lida do dia, muitas vezes já puído e cerzido de histórias e memórias, orava todas as manhãs e noites em agradecimento ao dia num ato de reverência tão profundo que eu, criança chegava até ver luzes e vozes celestiais em seu entorno dessa mulher que me ensinou o poder de acreditar poder fazer as coisas acontecerem. Essa saudade que não tem tamanho, tempo e nem momento, tem o poder da presença, é como se uma janela se abrisse e nos confortasse com passados que valorizamos.

Pela porta de folhas duplas, esculpidas manualmente na madeira pelos meus ancestrais, um outro cenário era deflagrado: A sinfonia bem regida pela maestrina natureza, que fundia a sonoridade inimaginável do silêncio noturno, com os ruídos que rompiam -lhe num compasso único, o vento que soprava conduzia a melodia que gradualmente era abençoada com o sussurro da chuva que mansamente caia na madrugada, naquelas telhas de barro, na janela envidraçada, naquele chão pisado, deixando emergir o cheiro bom de terra molhada. Os pequenos seres noturnos eram um espetáculo à parte, entravam e saiam na casa zunindo num bailar que acompanhava a orquestra lá fora, grilos marcavam compasso, besouros transformavam-se em rica base na escala musical naturalmente apresentada, e dos grilos nada mais esperar que o arrebatamento sonoro para novos e saudáveis sons.

Hoje, fisicamente, trago comigo parte desse cenário amado, o moedor manual de café, que depois de torrado nos deliciava pelo sabor e aroma; o ferro de passar à brasa que certamente além de alisar nossas vestes, aqueceu também muitas noites frias de inverno; o escovão que lustrava o chão de tijolos que de tão gastos, encerados e polidos tornaram se puro brilho; o lampião à querosene que anunciava a chegada do avó maquinista da antiga Sorocabana; a espiriteira que aquecia e iluminava o ambiente, a alpargatas roda rota pelo uso, de minha avó, a tão bem guardada roupinha de meu batismo juntinho ao primeiro sapatinho de meu filho dado por sua madrinha antes mesmo de nascer, seu primeiro presente pela vinda ao planeta...

Num ciclo virtuoso ancestral com origem diversa e diversificada... guardo ainda muitos itens que tem mão de meu povo, suor de minha origem, calor de tudo o que sou e que ainda me aquece, por isso essa eterna conexão indissolúvel com esse simbólico traduz em vida todo um passado vivenciado.

Existe no passado muito de belo que deve servir de nutriente para nossos bons sentir e viver no presente que nos encontramos. Es a mágica de estar presente nas raízes que nos sustentará a cada hora, sentimento, desafios e reconhecimento que somos elo de uma grande egrégora que pulsa dento de nós, parte desse todo que é tão universal e por assim o ser passa desapercebido, mas que é presente em nós à cada pulsar, a cada respirar a cada caminhar ...

Roberta Lessa
Enviado por Roberta Lessa em 21/12/2014
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