André Carneiro: Escritor Não Revelado Pelo BBB
Por isso mesmo não teve muitos leitores no país do “nunca se vil antes nesse país”. Em entrevista ao jornalista Luiz Bras, do Jornal da Biblioteca Pública do Paraná, novembro, 2012, André Carneiro em resposta à pergunta “a espécie humana ainda tem jeito ou é um caso perdido”? AC disse:
— “Todas as vezes que a espécie humana me causou grandes decepções, sempre me consolei com a máquina do tempo: se olharmos a história em uma visão panorâmica, é inevitável descobrirmos que agora, com todas as imperfeições do mundo contemporâneo, podemos encontrar nítidas melhoras. A horrorosa escravidão explícita de um ser humano imposta a outro, está eliminada oficialmente. As leis trabalhistas em todo o mundo têm sido paulatinamente melhoradas. Eu ainda acredito no ser humano. Acredito até que a ciência chegará ao ponto de mutação que nos garanta um DNA mais favorecido”.
André Carneiro como se pode concluir da leitura do parágrafo acima, era um otimista convicto. Acreditar que a história está a melhorar o ser humano e não a escravizá-lo ainda mais intensamente, ao visualizar nítidas melhoras no mundo contemporâneo, é realmente uma visão de um otimismo inquestionável.
Afirmar que a escravidão de um ser humano imposta a outro está eliminada oficialmente, só porque, ornamentalmente, as instituições políticas do país saíram de ditaduras políticas explícitas, tais como a de Vargas, a de militares que se impuseram violentamente contra os preceitos constitucionais ao derrubar o governo João Goular, e foram substituídas por ditadutas descaradas da corrupção, desde o governo Collor de Mello até os governos atuais de Dilma Pasadena, é, realmente, acreditar demasiado na política enquanto fator de melhora das condições coletivas, e pessoais, do ser humano.
Escrevo este artigo para homenagear o escritor André Carneiro. Para harmonizar a crítica ao otimismo de sua afirmação politicamente questionável, mencionemos seu conto “A Escuridão” (1963), único conto brasileiro selecionado na antologia da editora G. P. Putnam´s Sons (EUA), em 1973, da qual constou entre os melhores contos mundiais até então escritos. Em 2011, numa votação informal promovida pelo blogue Cobra Norato, eleito o melhor conto brasileiro de Ficção Científica.
“A Escuridão” (The Darkness) narra a fragilidade dos seres humanos quando se deparam com um fenômeno atmosférico que os faz temer pela sobrevivência: o fenômeno da escuridão. A relatividade da condição humana. Na Escuridão narrada no conto homônimo, os cegos veem melhor do que aqueles que nasceram com a visão dita normal. Eles se conduzem no espaço das ruas da cidade com uma desnevoltura que os não nascidos cegos não possuem.
Os cegos, após o fenômeno atmosférico, se movem como se conhecessem os caminhos entre lugares diversos. A escuridão não os incomoda tanto quanto as pressões psicológicas e as necessidades de sobrevida que ela sugere a todos. Todos são sobreviventes em todos os lugares. Os alimentos escasseiam nos armários, a água se faz rara nas torneiras. A expectativa de sobrevida, a ansiedade por saírem dela! Vai durar quanto tempo a cerração, o turvamento da visão externa?
Todos estão cegos em decorrência do inusitado fenômeno atmosférico. As pessoas nada enxergam. Tudo é trevas diante do nariz. Esta é uma metáfora sensacional do mundo em que vivemos agora. Mundo este no qual os problemas da sociedade globalizada se multiplicam todos os dias e ninguém parece perceber como melhor encará-los para que não se multipliquem a olhos vistos.
Os regimes políticos autoritários que afirmam a corrupção enquanto uma forma velada de ditadura institucional, lutam por cercear cada vez mais a atuação social da imprensa. No Brasil, como nunca se viu antes neste país, os governos do partido majoritário e suas facções político-partidárias de apoio parlamentar, se querem incomodados com a intervenção social informativa da imprensa relativamente livre. Desejam que a ditudura da corrupção não tenha oponentes, de modo que possam continuar a fazer discursos demagógicos como se a afirmação “eu não sabia de nada” os redimisse de qualquer responsabilidade administrativa e institucional.
É “A Escuridão” vigente não apenas na ficção, mas na realidade dos acontecimentos políticos que se desenvolvem no país. Como no conto premiado, nacional e internacionalmente de André Carneiro, “A Escuridão” da corrupção se dissemina, como nunca se viu antes neste país, como se fosse a coisa mais natural do mundo da política, com suas implicações na política de investimentos na educação, na saúde, na mobilidade urbana, nos transportes das estradas superesburacadas, nas habitações sem saneamento adequado, na ultraviolência que aumenta a olhos vistos.
E ninguém enxerga um único palmo adiante do nariz, exceto “A Escuridão” da falta de mudança de paradigma nas políticas todas, como se as forças sociais intitucionais vigentes estivessem mergulhadas definitivamente num mundo onde a força social motiva a volta do eterno retorno à obscuridade das discussões inócuas, divulgadas diariamente nos jornais impressos e Tvvisivos. Nos jornais TVvisivos noturnos onde “A Escuridão” está presente em todos os monitores dos canais dos jornais nacionais.
A metáfora admirável do fenômeno da cegueira em “A Escuridão”, faz com que o leitor mais atento possa inferir as implicações da ficção científica com a realidade: em ambas as situações há um fenômeno “atmosférico” patente: o conto narra um fenômeno atmosférico exterior aos seres humanos que os torna cegos com dificuldades de locomoção. “A Escuridão” da realidade política é um fenômeno psicológico e/ou parapsicológico que torna cego os seres humanos para uma realidade que eles agenciam politicamente, mas estão impotentes para mudar seus paradigmas.
Em ambas as situações há a presença de uma pressão interna e exterior, que está para além das possibilidades dessas pessoas, vítimas dessa “A Escuridão” de, por seus próprios esforços e através de movimentos de sua própria vontade, fazerem acontecer a luminosidade em suas vidas. O fenômeno atmosférico está além de sua compreensão. É um fenômeno da natureza muito intenso e misterioso que se impõe na realidade externa das pessoas.
Mas, o fenômeno da ditadura da corrupção na política desse Brasil, como nunca se viu antes neste país, se impõe a partir das forças políticas vigentes que deterioram a realidade externa e interna da pessoa, da família e da sociedade, impondo o fenômeno real e claroevidente d´A Escuridão como se ele fosse uma força formidável da natureza que se impõe para além de qualquer intervenção humana.
“O que somos, o que valemos, para onde vamos?” Esta pergunta do personagem narrador do conto de André Carneiro, agiliza a compreensão do leitor e o insere numa realidade que o faz tomar posse de sua impotência com relação aos fenômenos atmosféricos que se afirmam para além de sua intervenção, e o conduzem à pergunta de por que não posso fazer nada para mudar minha realidade política, financeira, social e econômica que está em mãos de pessoas nas quais eu votei, mas que só contribuem para a deterioração dessa minha realidade pessoal, familiar, social!?
Wladas, personagem principal do conto “A Escuridão” havia passado mal a noite, após a vigência do período do fenômeno atmosférico. O impacto de todos aqueles dias havia feito seus efeitos:
“As mãos tremiam, tinha medo, não sabia de quê. Voltar à cidade, recomeçar a vida... Ir à repartição, os amigos, mulheres... Os valores que prezava ficaram subvertidos e sepultados nas trevas. Era um homem diverso que se mexia no leito improvisado, sem poder dormir. Pela bandeira da porta dançava um quadrilátero de claridade, feito por uma lamparina acesa, aviso de que tudo estava bem. Ele tivera uma existência calma”.
O conto de André Carneiro termina com a afirmação de que os personagens principais se tornaram amigos, Wlada e o cego Vasco sentiam-se fracos, “com um cansaço de raciocínio, vendo e ouvindo coisas raras, onde o absurdo não era hipótese, acontecera, à revelia da lógica das leis científicas. Como tinham podido sobreviver na escuridão? Wladas pensava em tudo isso, enquanto suas pernas doloridas o conduziam. Suas científicas certezas de mais nada valiam”.
Das considerações finais do conto “A Escuridão”, acima das especulações racionais, “vinha o mistério do sangue correndo, o prazer de amar, realizar coisas, agitar os músculos e sorrir. Vistos à distância, os dois eram menores do que os trilhos retos que os cercavam. Seus pensamentos pulavam as fronteiras e o tempo. O corpo voltava ao cotidiano, sujeitos às forças, aos descontroles, desde o princípio das eras haviam planetas, sistemas solares e galáxias. Eram dois homens apenas, cercados por trilhos impassíveis. Voltando para casa com seus problemas”.
E você, André, também voltou para casa. Grande Abraço, irmão.