Homens ou Máquinas?
Algumas coisas vão se perdendo com os novos modos de viver. Todos sabem disso, é óbvio. Tudo avança em uma velocidade imensa e há quem não se dê conta da proporção. Não faz muito tempo, havia o hábito de álbuns de fotografias. As famílias guardavam as imagens dos melhores momentos como um tesouro de imenso valor. Esses preciosos momentos eram compartilhados apenas com os mais íntimos e com certeza eram o ponto alto quando se recebia uma visita. Agora existem as redes sociais, onde com um clic, você pode ver essas imagens pessoais e familiares sem sequer pedir licença. É rápido e fácil ver como anda vivendo um conhecido ou um desconhecido, conhecer seus filhos, netos, preferências, lazer, formação, pratos preferidos, roupas, religião, posição política e uma série de outras informações passadas pelas imagens. Deixa de ser uma invasão de privacidade, pois são imagens pessoais publicadas para acesso do público geral. Deixa de ser também uma imagem de uma realidade de felicidade,e de bem estar, fiel ao instante capturado pela câmera fotográfica. Isso porque, desde o início ela é produzida para impressionar conhecidos e desconhecidos, não mais para ser guardada como tesouro, não mais um verdadeiro retrato de um instante verdadeiramente feliz. Fotografam até mesmo o prato que se come (fotografamos, pois como produto do meio, estou nessa onda). Chuchu, pão de sal, biscoito maisena, pão com manteiga, ninguém fotografa e compartilha em rede. Ou as pessoas pararam de comer pão com manteiga? Já respondo que não pararam, esse pãozinho está ali na mesa delas a cada dia, o biscoitinho também, o simples arroz com feijão está no cardápio do almoço e do jantar. O que ocorre é que essas coisas aí não mostram uma vida bem sucedida, não são o retrato de uma sociedade de consumo nos moldes capitalistas. Sociedade essa em que se vive pelo ter, cada vez menos se vivendo pelo ser. As pessoas nunca deixarão de ser produtos de fábricas. Elas ignoram o quanto se permitem ser manipuladas e que têm seu comportamento estrategicamente direcionado para atender ao sistema e perderem suas identidades. São como bonecos produzidos em série e farão exatamente o que foi programado para elas. Viverão falsas felicidades, ficarão expostas, serão facilmente analisadas e desvendadas. A alma e o caráter delas ficam como uma mulher totalmente nua andando por uma avenida de cidade interiorana. Há ganhos com essa exposição? O que sei é que além da intimidade das fotografias em álbuns e dos modos familiares e pessoais de vida, uma outra coisas está deixando de ser o que era: a saudade.
Com as novas formas de comunicação, a saudade vai ficando na saudade. Talvez esse sentimento fosse ruim e talvez esse seja um ganho. Mas será? O que desenvolve-se dentro de nós que gera a tal da saudade? Quantas emoções são necessárias para construí-la? O quanto ela nos faz amar mais o ser saudoso? O quanto a saudade alimenta os diálogos dos que estão envolvidos nela? O quanto ela nos aproxima mais ainda da essência do outro? Saudade se constrói no tempo da despedida, no tempo da ausência e da distância.
Creio que diriam que melhor é poder ver e falar a qualquer tempo com quem nos faz falta ou que está ausente. Eu no entanto não acho que é suficiente. Podemos sim fazer isso a qualquer tempo, usamos expressões interessantes nessa comunicação universal e tecnológica. Usamos diálogos com longas expressões como: KKKKKKK, aff,vlw, blz e etc... Usamos também textos prontos usando " ctrl+c e ctrl+v ", o famoso copiar colar, e postamos o que seria a nossa mensagem. Nossa? Ou é mais uma forma de maquiagem do que somos ou sentimos?
Talvez essa seja a ideia principal do sistema, produzir seres cada vez mais emocionalmente distantes, desprovidos de verdadeiras saudades ou verdadeiros momentos felizes, saciados com esse "prato feito", esquecidos de quem são. Talvez o sistema tenha encontrado um fácil método de maquinizar o homem, para que ele não perceba o quanto está sendo explorado. Ah e ele gentilmente sorri de volta e faz um selfie.