A bandeira se ergue, novamente manchada de sangue

Hoje escrevo um texto que não gostaria de ter que escrever. Criei este espaço para falar de amor, de arte, de cultura, música, culinária. Gostaria de escrever sobre a liberdade, sobre a vida, sobre o vento balançando os cabelos das pessoas pelas ruas. Sobre sorrisos e mãos entrelaçadas. Mas eis que, logo pela manhã, me deparo com duas notícias tristes: A morte do garoto João Donati, em Goiás, e o incêndio no CTG (Centro de Tradições Gaúchas) de Santana do Livramento – RS. O que estas notícias tem em comum? O garoto João, de apenas 18 anos, foi assassinado por ser Gay. O CTG estava sofrendo ameaças, pois iria sediar um casamento comunitário em que um dos casais inscrito era homossexual. Embora no CTG ninguém tenha perdido a vida, ambas as notícias são trágicas – Trágicas para nós, como seres humanos, trágicas para um país que tem em sua Constituição Federal a garantia de igualdade, de não discriminação, garantia esta que não está sendo cumprida!

Lendo as reportagens sobre o assassinato do jovem, fica claro o nível de crueldade a que chegaram os assassinos torturadores. É isso mesmo que a sociedade quer? Segundo reportagem, na boca do jovem havia um bilhete com as palavras “vamos acabar com essa praga”. Seria a morte dele e de tantos (as) outros (as) um benefício para o mundo? Qual crime comete alguém que só deseja amar e ser amado? Qual a necessidade de se rotular afetos? Porque pensar que ele é diferente de nós? O certo seria pessoas amarem pessoas, tanto faz se uma mulher ama um homem, se um homem ama outro homem ou se uma mulher ama outra mulher... Ou se uma mulher ama outra que nasceu homem e se tornou mulher. Ou uma mulher ama dois homens. Ou dois homens amam duas mulheres. Em um mundo já tão violento e cheio de mazelas, o amor deveria ser refúgio comum a todos, sem distinção, sem preconceito.

É irônica uma sociedade que crucifica uma garota que cometeu um ato racista em um estádio de futebol, mas aceita passivamente a agressão diária contra os LGBT’s. É irônico saber que algumas pessoas que se dizem cristãs e pregam a intolerância às outras apenas por não seguirem os modelos afetivos tradicionais. Alguém deveria avisar essas pessoas que Deus deu a vida para cada um cuidar da sua. Você acredita que gays vão para o inferno? Não seja gay. Simples assim. Alguém deveria avisar aos grupos que pregam o ódio em nome da religião que na Bíblia há uma passagem que diz “amai-vos uns aos outros”, e que amar não é agredir, não é marginalizar, não é matar. Palavras influenciam. Se hoje alguém prega o ódio, amanhã outra pessoa pode praticar um ato de ódio inspirada por suas palavras, então, pense no que vai dizer, principalmente se você é de alguma forma um formador de opiniões. Ninguém nasce odiando ninguém, mas aprende pelo caminho a cultivar o ódio e a maldade.

O jovem João Donati tinha família, amigos e um futuro pela frente. Eu não o conheci, não sei o que ele faria de sua vida e, devido a um ato violento de intolerância, ninguém mais saberá e talvez com ele seja enterrado um grande destino. Seus familiares e amigos irão, dia após dia, sofrer o vazio de sua ausência e nada poderá ocupar o espaço vazio. E essa tristeza deveria ser de todos nós, não apenas da família ou amigos, mas de todos. Por quê? Por que é inimaginável pensar que em pleno ano de 2014 ainda seja comum ver pessoas serem agredidas e mortas apenas pela sua opção sexual.

Há um projeto de lei, 122/2006, que criminaliza a homofobia, incluindo a discriminação sexual no Código Penal e este projeto está parado no Congresso Nacional e, enquanto ele assim permanece, perdemos a cada dia mais vidas neste país tão grande, tão generoso e, ao mesmo tempo, tão cruel.

Fica aqui um apelo: lembrem-se que homofobia mata. Até quando será preciso lembrar isso? Hoje a bandeira se ergue novamente manchada por sangue inocente. Não apenas a bandeira do arco-íris, mas a bandeira brasileira.