Sobre a pena do ex-médico Roger Abdelmassih
Prólogo
O ex-médico, agora considerado um monstro, execrado pelas vítimas, familiares e por toda a sociedade brasileira e mídia generalizada, é um famoso especialista em reprodução assistida. O anormal, no momento, ocupa uma fatia do espaço junto à propaganda eleitoral, depois de sua prisão.
UM BREVE HISTÓRICO PARA RELEMBRAR O CASO
Uma ex-funcionária foi a primeira que o denunciou. Diversas pacientes dele confirmaram os delitos e afirmam que eram atacadas quando estavam sozinhas ou sedadas. Roger fugiu do país em 2011 e acaba de ser preso em Assunção (Paraguai).
Foragido da Justiça desde 2011, o médico foi condenado a 278 anos de prisão – foram 52 estupros e 4 tentativas contra 39 mulheres, pacientes de sua clínica especializada em reprodução assistida. De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), os crimes foram cometidos entre 1995 e 2008, nas dependências da clínica, localizada em um bairro nobre da capital paulista.
QUEM SOLTOU A FERA?
Roger chegou a ficar preso por quatro meses em 2009, mas foi solto por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). No pedido acolhido em 2009 pelo ministro Gilmar Mendes, a defesa do médico alegou que “ele possui todas as condições pessoais favoráveis à liberdade: é primário, tem bons antecedentes e residência fixa, além de ser um profissional renomado e de reputação ilibada”.
A petição foi subscrita pelos advogados Márcio Thomaz Bastos (ministro da Justiça durante o primeiro governo Lula) e José Luís Oliveira Lima (defensor de José Dirceu, na Ação Penal 477, mais conhecida como “ação do mensalão”).
Claro que as condições eram, à época, favoráveis ao misógino, hoje considerado pela sociedade um meliante contumaz, psicopata, inumano inconsequente e extremamente perigoso. O então presidente da corte, ministro Gilmar Mendes, concedeu "habeas corpus" em favor do doido-médico por considerará-lo inofensivo à ordem pública.
Na avaliação do magistrado, como o registro profissional de Abdelmassih havia sido cassado, não haveria a possibilidade de reiteração dos abusos sobre as pacientes e não seria necessário manter o profissional preso. “A prisão preventiva releva, na verdade, mero intento de antecipação de pena, repudiado em nosso ordenamento jurídico”, disse Mendes na ocasião.
MENSAGEM RECEBIDA
“Boa noite doutor Wilson! Meu nome é Ana Júlia e sempre leio seus ótimos textos jurídicos. Sobre o monstro e pilantra (desculpe-me pelo termo) Abdelmassih gostaria de saber como ficará a pena dele em virtude de o nosso ordenamento jurídico não permitir que se fique recluso por mais de trinta anos. O senhor poderia escrever sobre isso para nós leigos? Antecipadamente o meu muito obrigada por todos os ensinamentos que proporciona a todas nós leitoras do Recanto das Letras. Um abraço fraterno extensivo à família. – Ass. Ana Júlia.” – (SIC).
MINHA RESPOSTA
O caso da pena do condenado ex-médico Roger Abdelmassih é “sui generis”, mas, não é único no Brasil porque certamente irá ultrapassar o máximo de trinta anos de reclusão. Ora, o nosso Código Penal prevê, atualmente, no artigo 75, que o cumprimento máximo de pena não pode ser superior a 30 anos.
As vítimas de Abdelmassih relataram à Justiça agressões sofridas na sala de consulta e de recuperação da clínica, especialmente após a coleta de óvulos, procedimento inicial para a reprodução assistida. Em muitos casos, as mulheres estavam saindo da sedação quando se viam envoltas pelo médico, que as beijava a boca, o pescoço e os seios, avançando, em mais de 50 casos, para relações sexuais forçadas.
Foram 52 estupros e 4 tentativas contra 39 mulheres, pacientes de sua clínica especializada em reprodução assistida. De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), os crimes foram cometidos entre 1995 e 2008, nas dependências da clínica, localizada em um bairro nobre da capital paulista.
DETALHANDO MINHA RESPOSTA
Levando em conta o total de 278 anos de reclusão, o condenado Roger Abdelmassih não terá direito a nenhum benefício penal. Quando a pena passa de 30 anos, na vara das execuções se faz a unificação delas para 30 anos. Mas essa unificação, de acordo com a jurisprudência do STF (Súmula 715), só serve para se saber a data máxima da execução, não sendo considerada para a concessão de outros benefícios, como livramento condicional ou progressão de regime.
Qualquer tipo de benefício penal, portanto, deve ser computado (de acordo com o STF) pelo total da pena (não em cima dos 30 anos). Os crimes cometidos, de outro lado, são hediondos (estupro e atentado violento ao pudor).
Nos crimes hediondos o réu deve cumprir 40% da pena, para conquistar o direito de progressão. Mas, 40% de 278 anos significam 111 anos (há impossibilidade física e jurídica desse cumprimento). Mesmo que haja redução do total, a pena ainda será muito alta (40% sobre uma pena alta significa tempo demasiado).
O caso, portanto, é de um possível cumprimento efetivo dos 30 anos, se a natureza (sobrevida) permitir isso ao meliante (que já conta com 70 anos de idade). Roger não terá direito às saídas temporárias (vide artigo 122, da Lei de execuções penais), que são válidas para o regime semiaberto e depois do cumprimento de 1/6 da pena.
O condenado Roger Abdelmassih tampouco TEM (TERÁ) direito à prisão domiciliar, porque o regime fechado não a permite (somente o regime aberto). Vejamos o que preestabelece a lei:
Artigo 117 da Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984 (Lei de Execuções Penais – LEP).
Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I - condenado maior de 70 (setenta) anos;
II - condenado acometido de doença grave;
III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV - condenada gestante.
ADVOGADO PRECISA TER BOM SENSO E EXERCER O PROFISSIONALISMO
Mais cedo ou mais tarde o condenado será orientado por advogados tendo em vista mantê-lo informado de seu (dele) crudelíssimo infortúnio, mas, ele (o condenado) poderá adoecer e, assim, solicitar a prisão domiciliar. Sabemos que nesse caso o juiz que decidir o pedido poderá fazer a concessão, mesmo indo de encontro à lei (Vide artigo 117, da LEP), alegando a falta de estrutura prisional, mas, o Ministério Público estará (está) atento e recorrerá como tantas vezes fez no caso do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, mais conhecido por "lalau".
Atordoado e nada orientado, Abdelmassih disse, em sua volta ao País, que merece ficar em liberdade e comparou seu caso ao mensalão. "Se o (José) Genoino pode sair (da cadeia) por causa do problema (de saúde) dele, eu posso também. Eu tenho uma prótese. Isso é muito pior".
O tarado condenado pode, se quiser, por seu advogado, alegar idade avançada ou problemas de saúde, conforme benefício estabelecido na Lei de Execuções Penais para quem tem mais de 70 anos. (Abdelmassih nasceu em 3 de outubro de 1943). Além da idade avançada, a presença de doenças graves é uma situação em que o benefício é previsto.
Todavia, por uma questão de bom senso, profissionalismo e respeito ao judiciário, o advogado tem o dever de orientar o cliente sobre sua real situação perante a lei. Abdelmassih satisfaz, em parte, as condições do artigo 117, da LEP. Com exceção do regime prisional dele que é fechado, as demais condições são válidas, mas não o bastante. Repito para não deixar dúvida: A PRISÃO DOMICILIAR SÓ SE JUSTIFICA PARA A PRISÃO EM REGIME ABERTO!
O QUE PREESTABELECE A LEI DE EXECUÇÕES PENAIS
Lei das Execuções Penais permite benefício para quem tem mais de 70 anos ou problema de saúde; mas ele não sairá às ruas antes dos 100 anos (no mínimo)”. O condenado está equivocado. O artigo 117 da Lei de Execução Penal só permite o regime domiciliar para quem está cumprindo pena em regime aberto. Não é o caso de Abdelmassih, que está preso preventivamente. Nem sequer condenação definitiva existe contra ele. A prisão preventiva acontece antes da sentença final.
A pena de 278 anos de prisão contra Roger pode ser modificada? Sim. Seu recurso contra a sentença de primeiro grau ainda não foi julgado. A pena poderá ser alterada radicalmente (porque os crimes foram cometidos de forma continuada (assim poderá ser convencido o julgador do recurso) e a lei penal prevê redução de pena nesse caso).
Não é o meu caso, mas, há quem entenda que o crime cometido por Abdelmassih assemelha-se a quem, de forma contumaz, visita uma biblioteca para furtar um volume de uma coleção, sempre que for à biblioteca. Ora, ora, ora, o crime continuado é considerado pelos renomados juristas uma "ficção jurídica" que enseja muita discussão.
O recurso contra a condenação (sentença de primeiro grau) impetrado pela defesa de Roger está nas mãos do desembargador relator desde 13/09/2012. Infelizmente para as vítimas, e, felizmente para o condenado, se o recurso não julgado em breve Abdelmassih será liberado por excesso de prazo.
CONCLUSÃO
Qualquer condenação acima dos trinta anos é controvertida! Senão vejamos o porquê: Depois de ler este texto algum arguto leitor poderá perguntar: “caso o preso tenha condenação superior a trinta anos, o tempo de cumprimento da pena (2/5 ou 3/5) deve ser calculado sobre o total da condenação ou sobre o limite de trinta anos definido no art. 75 do Código Penal?
A Súmula 715 do STF diz o seguinte: "A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.".
Para os radicais e positivistas legalistas a questão fica resolvida com a citada súmula: calcula-se o tempo de cumprimento da pena pelo total da condenação, desconsiderando-se a pena unificada em trinta anos.
Para os minimalistas e adeptos do Estado constitucional e humanitário de Direito a Súmula 715, do STF, é inconstitucional e, por isso, não possui nenhum valor jurídico, isto é, contraria a própria razão de ser do artigo 75, do CP, que foi elaborado para atender o movimento internacional humanitário que não só coíbe a prisão perpétua como exige a individualização da pena. É ai que reside o quiproquó! Por que o STF não atentou para o que preestabelece o Código Penal em seu artigo 75?
EXPLICANDO MELHOR ESSE ENTENDIMENTO
Se a progressão de regime, o livramento condicional e outros benefícios penais devessem ser contados sobre a pena total, COMO PREESTABELECE a Súmula 715, do STF, ficaria sem nenhum sentido a "unificação de penas" prevista no citado artigo 75, do Código Penal bastando que a norma proibisse seu cumprimento acima de 30 anos.
Embora eu me considere um extremado radical (pra mim os crimes iguais aos praticados pelo desequilibrado Abdelmassih deveriam ser punidos com a morte) faz sentido essa corrente dos minimalistas quando analisamos o que preestabelece nossa Carta Magna em seu artigo 5º, inc. XLVII.
No supracitado artigo 5º da Constituição cognominada cidadã há uma clara manifestação e preocupação com a humanização das penas, assim como com o particular aspecto da sua indignidade quando cuidou da proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, assim como da pena de caráter perpétuo.
OUTRO ENTENDIMENTO E PERGUNTA INTERESSANTES
Nos crimes hediondos e equiparados, na primeira progressão (do fechado para o semiaberto) deve o condenado cumprir 2/5 ou 3/5 da pena (conforme seja primário ou reincidente). Cabe perguntar: na segunda progressão (do regime semiaberto para o aberto) qual será o tempo de cumprimento da pena: um sexto (como diz o artigo 112 da LEP) ou o novo patamar fixado pela Lei 11.464/2007?
A resposta está (é) cristalina no novo diploma legal, que fala em "progressão de regime", não importando para qual deles. Ou seja: o que vale, para o efeito de qualquer progressão, nos crimes hediondos e equiparados, é sempre o novo critério de 2/5 ou 3/5, conforme o condenado seja primário ou reincidente.
Sinceramente eu não gostaria de estar na pele de quaisquer condenados que estejam na mesma situação do ex-médico Roger Abdelmassih. Nicolau dos Santos Neto recebeu o indulto concedido pela presidente Dilma Rousseff, mas para isso cumpriu 1/3 da pena conforme a lei.
Estou escrevendo isso porque estamos analisando apenas os aspectos penais da condenação. Se as vítimas do ex-médico monstro resolverem pedir indenizações por danos morais a coisa ficará muito mais lamentosa para essa excrescência desumana em forma de gente refinada.
Larissa Maria Sacco, esposa de Roger Abdelmassih, por ser esclarecida e Ex-procuradora da República, sabe muito bem que a situação do marido não é das melhores. Compassiva, quiçá conivente, talvez não, em uma das visitas ela deverá dizer ao marido fraco e potencialmente suicida: “Não tem jeito querido. A prisão domiciliar que você imagina conseguir é uma utopia porque vai de encontro à lei. Conforme-se e aceite a condenação que, naturalmente será impossível cumprir, rezando para as suas vítimas não lhe processarem por danos físicos e morais”.
RESUMO DA CONCLUSÃO
Pelos diversos veículos de comunicação, todos midiáticos, tomamos conhecimento de um exagero. Vimos que só no momento de colher as impressões digitais tiraram as algemas de Roger Abdelmassih. Ora, ora, ora... Isso contraria frontalmente o que preestabelece a Súmula Vinculante nº 11/2008, do Supremo Tribunal Federal – (STF).
Todavia, esse tratamento um tanto quanto rigoroso, excessivo, é praxe (rotina, procedimento costumeiro) até contra mulheres nas prisões efetuadas pelas polícias: civil, militar e federal. No meu entendimento a Súmula Vinculante nº 11/2008, do STF, é inócua, isto é, que não tem a força de produzir o efeito que se pretendia; é resultado da diarreia legiferante de quem devia zelar e proteger a sociedade dos excessos e desmandos dos entes públicos. Vejamos a missão do STF:
MISSÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
"Incumbe, ao Supremo Tribunal Federal, no desempenho de suas altas funções institucionais e como garantidor da intangibilidade da ordem constitucional, o grave compromisso – que lhe foi soberanamente delegado pela Assembleia Nacional Constituinte – de velar pela integridade dos direitos fundamentais, de repelir condutas governamentais abusivas, de conferir prevalência à essencial dignidade da pessoa humana, de fazer cumprir os pactos internacionais que protegem os grupos vulneráveis expostos a injustas perseguições e a práticas discriminatórias, de neutralizar qualquer ensaio de opressão estatal e de nulificar os excessos do Poder e os comportamentos desviantes de seus agentes e autoridades, que tanto deformam o significado democrático da própria Lei Fundamental da República.".
SUMULA VINCULANTE Nº 11/2008, DO STF
“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”.
Ora, o condenado Roger Abdelmassih, prostrado, desmoralizado, mesmo em sua bizarra condição inumana pelos atos cometidos contra suas vítimas indefesas, embora mereça uma “cana duríssima”, não necessitava ser conduzido algemado entre dezenas de policiais fortemente armados.
Sou extremamente radical contra criminosos de uma forma geral, mas se existe uma ordem de prisão e sua forma legal de executá-la... Apoiemos a legalidade sem rancores, mágoas, ódio ou ressentimentos desmedidos. Mas, eu sei que o desejo de vingança é condição humana e o povão gosta e aplaude esse degradante tratamento contra todos os famigerados estupradores, desequilibrados e misóginos seres.
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NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
1) Constituição Federal de 5 de outubro de 1988;
2) Código Penal Brasileiro;
3) Lei de Execuções Penais;
4) Noticiosos escritos (revistas: VEJA, ÉPOCA, ISTO É, Jornais) falados e televisivos;
5) Notas de Aulas do Autor sobre Direito Penal - Pós-Graduação;
6) Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstâncias e imparciais.