Um dos inevitáveis fracassos da copa

DIVIDIDAS LÁ DENTRO E LA FORA

Os insultos a Dilma na abertura da copa e a sempre inútil luta partidária de quem ataca um partido considerado rival e não é capaz de admitir os podres da própria turma não representam um décimo de outros problemas realmente sérios, que ainda não vi sendo discutidos em lugar algum.

Três crianças, uma negra, um branco e um índio fizeram o já conhecido gesto que simboliza a paz: soltar uma pomba branca. Ora, o próprio gesto, que pretendia supor a união entre as raças é RACISTA. Por que a pomba tem que ser branca e não de qualquer outra cor? Por que não uma pomba preta? Será que foi medida cautelosa para o público não confundir a “pomba branca da paz” com a “galinha preta da macumba”? Será que foi isso? E tal gesto demonstra também como diversos povos ainda estão presos à simbologia religiosa cristã. Por que não soltar um cachorro, um gato, um papagaio, um macaquinho, um morcego? Gato não. É do diabo! Assim como o morcego. Já pensaram? Faz lembrar satanás! Tivesse sido soltado um morcego, muitas pessoas iam fugir do estádio, não pelo medo do bicho, mas por causa do mau agouro. Melhor ficar com as tradicionais pomba branca - branquinha, alva, limpa, pura - e a hipocrisia mesmo...

Qual terá sido o sentimento dos jogadores brasileiros, maioria de origem pobre, ao se deparar com uma torcida formada por brancos que pagaram caro em seus ingressos, sem ter qualquer chance de verem ali presentes seus familiares menos favorecidos ou antigos vizinhos da vila e da favela? Bom, não posso falar por eles, somente por mim. Por isso escrevo que o que senti foi repugnância.

Não sou muito de agito. Acompanho a Copa discretamente daqui de casa mesmo, sozinho, ou talvez acompanhado de amigos em casa de outras pessoas. Não saio à rua para comemorar, mas se eu fosse festeiro como a maior parte dos brasileiros e comparecesse aos estádios nos jogos do Corinthians, ainda assim eu não estaria na arquibancada do Itaquerão na abertura da Copa. Nem que tivesse ganhado o ingresso num sorteio. Eu estaria, sim, lá do lado de fora, junto com os companheiros que batalham, suam e sangram, calejam as mãos. Estaria ali nas ruas, onde não tem frescura, onde as cornetas não são proibidas, gritando, pulando e cantando. Petiscando um espetinho de carne e tomando um belo copão de tubaína. Bem longe da entrada do estádio e daquela horda de xingadores endinheirados.

A presidente foi insultada por pessoas que não concordam com seu governo. Diz que não se abalou. Mas o que ela deve ter sentido, ao se lembrar do esforço e trabalho de sua gestão, assim como os das anteriores, para a diminuição das desigualdades deste povo, para o incentivo à aproximação dos mais ricos aos mais pobres e, por fim, ver ali perto dela os pagantes no estádio e aqueles que não tiveram condições de comprar ingresso (e talvez até pessoas de condição financeira melhor, mas que não se sujeitaram em participar daquela palhaçada onerosa) lá fora, na rua, assistindo o jogo nos telões? Camarotes, áreas vip, muros altos, inalcançáveis, cerca elétrica, carros blindados e um mundo de egoístas em que as pessoas que podem pagar preferem de fato financiar estes sofisticados recursos de isolamento. “Very important people”, ou simplesmente “VIP” são as pessoas que são importantes por terem mais dinheiro. Aprenda isso, Joãozinho! Aprenda isso, Pedrinho! E fique rico para que você possa ser VIP também! E se discordar, vai ficar de castigo!

A sensação que ficou para este internauta e telespectador que vos escreve é a do completo fracasso. Sensação de que o sonho da igualdade permanecerá para sempre como um sonho sonhado pelo indivíduo em coma profundo, deitado por anos, que sonha por anos! E que ao invés de acordar e ver o sonho concretizado, vai morrer junto com o sonho, que se acaba no momento em que o coração parar.

E resiste a pergunta do garoto de seis anos que ainda habita este corpo, a mesma que fiz com a mesma citada idade – mas a biológica – ao ver o pretinho de sete ou oito anos na entrada do circo, vendendo amendoim, permanecendo ali fora ao invés de entrar e se divertir com os palhaços: por que é que não pode todo mundo estar no mesmo lugar? Por quê? Por que é que não estão todas as pessoas na mesma altura e no mesmo nível para dividirem juntos as mesmas emoções?