Costuras

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O maior e indecifrável problema da humanidade é a desumanidade própria dos humanos.

Hoje, quando me abri, puxando minha interioridade pelo colarinho branco daquela blusa que você me deu ao completarmos ‘n’ meses de nada, percebi que nos perdemos. Ih, ao tentar fechar a camisa, outra surpresa: a costura não estava firme e perdi o botão. Para piorar, não sei coser nem havia linha. Apressado, antes que me perdesse de mim, fechei a blusa – com você dentro!

É rotineiro, em redes sociais, o compartilhamento de textos, com ou sem imagens e/ou vídeos a eles agregados, enxertados de inúmeras manifestações de apoio a causas, as mais variadas. Hoje é dia do ‘A’, ontem foi o dia do ‘B’, amanhã é a hora do ‘C’ estar em pauta... Leio as ‘bandeiras’ levantadas, as palavras de ordem – algumas exacerbadas, imbricadas de rancor, ódio, mágoa, desprezo para quem pensa diferente. Entretanto, percebo que tais manifestações, via-de-regra, são pontuais e se perderão no clamor e na celeridade do dia seguinte, na frugalidade da vida e efemeridade das relações humanas, no amor e no ódio que a cada dia nos faz viver a vida, com ou sem lutas – Afinal, nem todos estamos dispostos a lutar por ‘alguma coisa’. Dessa forma, a causa de ontem se esvai no tempo como se jornal velho fosse. O interessante, minha singela percepção individualizada dos fatos, é que em todas as postagens que leio tento, apenas tento, enxergar algo diferente de humanidade, mas não consigo! As postagens que tenho lido, todos os dias, em anos ‘normais’ ou bissextos, são gestadas por pessoas implorando atenção; pessoas denunciando agressões, erros, excessos, omissões – manifestações irrefutáveis, portanto, da humanidade que existe em cada um de nós.

Relembrar é fortalecer, mas conhecer o passado teria o condão de evitar futuros erros? Relativizo possíveis respostas, assertivas ou que refutem a rigidez do questionamento. Fortalecer cores (a essência humana tem a cor do nosso sonho), diferenças (criadas por nós, ideologicamente), valores (que tão-somente garantem a vida gregária) e barbáries (que nunca deixarão de existir), embora esclareça o senso comum, fortalece e instiga a ação de novos monstros.

E se criássemos o dia do ser e de ser humano? E se mudássemos, para esse fenômeno que é tão nosso, mas nos parece tão distante, a noção de espaço-tempo, tornando eterno e atemporal o dia do ser e de ser humano? É simples. Ontem eu fui humano. Hoje, serei humano; amanhã, também! Juntando tudo, seríamos humanos e prescindiríamos de tantas datas, de tantos rótulos – dia do ‘A’, do ‘B’... Seríamos gente! Haveria apenas uma data, que se perpetuaria ad aeternum: o dia de ser gente!

Apesar de a vida se sustentar como inacabável construção, não permita que as pedras, na sua vida, sejam mais importantes que as flores; precisamos e devemos amar mais. Jogue menos pedras! Tenhamos para o amor a mesma pressa e coragem que temos tido para o ódio e o apedrejamento e façamos da vida um jardim de lindas e perfumadas flores – o que tenho visto, infelizmente, são muralhas que nos isolam, castelos de aprisionamento que regamos, diariamente, toda vez que nos dispomos a apedrejar sem o cuidado de edificar o que temos dentro de nós e o que podemos colher dos outros seres, tão humanos quanto nós.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 02/04/2014
Reeditado em 02/04/2014
Código do texto: T4753079
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