PESQUISA PARADOXAL.

Ouvi com perplexidade o resultado da pesquisa sobre estupro, onde a população brasileira demonstrou que tem um pensamento que, em tese, faz apologia ao estupro contra mulheres que usam roupas mais ousadas.

A pergunta era: - Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas? Minha perplexidade paira sobre o espírito deveras revanchista embutido nessa pesquisa. O verbo merecer utilizado nessa indagação e conjugado com o termo ‘atacar’ implica em uma assertiva que indica uma espécie de vingança para quem foge das regras mais conservadoras no que tange à indumentária feminina.

Aqui no Brasil onde o despudor impera em tempos de carnaval. Onde se permite o trânsito livre em praias de nudismo. Onde os biquínis mínimos expõe com totalidade o corpo feminino é deveras estarrecedor deparar com o resultado dessas pesquisas, porque ela indica o perfil um tanto quanto machista e conservador em termos de concepção de liberdade.

A pesquisa encerra, também, boa dose de hipocrisia, já que ao mesmo tempo em que se aceita os exageros na mídia em geral, curtindo programas indecentes como é o caso dos BBBs globais, também há execração das mulheres que, por vaidade, ou por se sentirem mais bonitas expõem um pouco mais seu corpo. Isso é puro preconceito. Para muitos é noção primitiva de respeito mútuo. Os conceitos ideais são aqueles que aceitam as pessoas do jeito que elas são.

Estupro é uma conduta muita pesada em termos de conduta moral, para se equiparar à liberdade individual de se vestir. A mulher pode até estar nua, mas se ela não quiser praticar sexo com alguém é direito dela se recusar. Esse crime está incluído na seção relativa à proteção à liberdade sexual. Assim, não tem nenhuma relação com o comportamento da vítima. Trata-se de uma anomalia própria de quem possui distúrbios sexuais. A mulheres devem ser respeitadas como ser humano livre e não como um objeto ou um alvo de tara sexual.

Ao permanecer essa concepção estrábica de se comparar o comportamento do agressor com o da agredida, estar-se-ia incentivando a prática de um crime reprovável sobre todos os aspectos. Não é de se admirar que em breve não venha a aparecer um desses molestadores de coletivos para atacar alguém que esteja de bermuda ou de short sob a expectativa de ser apoiado por quem foi capaz de dizer sim a essa indagação colocada à disposição da pesquisa em debate.

O perigo de uma pesquisa de tal jaez e causar estragos ainda maiores na cultura de um povo já acostumado a deturpar os princípios de moralidade. Penso que a mulher na sua liberdade individual pode e deve usar a roupa que ela quiser. Isso não pode ser justificativa para que seja atacada por tarados. A tara é algo próprio de quem não tem freio na sua conduta rotineira.

Hoje em dia as jovens, cada vez mais atualizadas em termos de assuntos sexuais e incentivadas pelas músicas chamadas sensuais, acabam sendo levadas pelas ondas do momento e, na sua jovialidade, muitas vezes nem percebem que estão sendo alvos de cobiças desvairadas. Ou se percebem confiam que as regras morais dedicadas aos bons costumes irão protegê-las de interesses alheios à sua vontade. Ou melhor, elas até podem estar ‘jogando charme’ para cima de quem lhes interessa, mas isso não justifica que aqueles que não lhe são de seu agrado sejam atraídos por uma sedução que visa pessoa específica.

Trata-se, pois, de um princípio inerente à liberdade da pessoa humana. Por isso vejo com grande temeridade essa pesquisa. Acho o seu resultado uma afronta às regras de boas convivências onde, em uma sociedade civilizada, deve-se respeitar a conduta individual das pessoas, sob pena de inversão dos princípios que regem a sociedade organizada e respeitosa.

Machadinho
Enviado por Machadinho em 28/03/2014
Código do texto: T4747557
Classificação de conteúdo: seguro