Morada Nas Calçadas

Ele mora nas calçadas. Anda pelas ruas descalço, a sujeira está impregnada em seu corpo, caído pelos cantos, olhar triste, já perdeu a esperança, a pele marrom de poeira cobriu a melanina.

A liberdade que conquistou lhe custou caro, aventuras. Quando não se pensa, pode pagar até com a própria vida. Todos os dias passava por ali e sempre via aquele mesmo homem no mesmo lugar, jogado ao canto da calçada. Um dia, ao voltar do trabalho, o vi chegando. Sentou-se no cantinho da calçada, um olhar perdido, pensativo. Ao lado uns papelões. Com certeza, aquela é a cama dele.

Um sábado à noite chovia muito. Muitos relâmpagos, trovões. Como seria que estava ele naquele momento? Se dentro de casa o frio era insuportável, imagine para quem vagam pelas ruas. No dia seguinte sai na intenção de passar por lá... Não é que ele estava lá, sentado em cima dos papelões? Pensei: quando voltar, lhe trago um café, pão com manteiga, alguns biscoitos. De volta parei e fui até ele. Entreguei um saquinho, um copo de café. Não me falou nada e pegou o que lhe trouxe com uma rapidez. Fiquei observando. Ele segurava com firmeza entre os dedos sujos. O saquinho limpo mostrava as unhas dele encardidas e grandes. Sentou-se, tirou o pão do saquinho e comeu com uma vontade louca. Talvez tivesse com sede também. Observei-o não por ser curiosa, mas pela coragem dele de estar sempre ali e não ter medo. Eu me perguntava: será que ele tem família?! Quando, de repente, ele freou os olhos em minha direção e fez um leve sorriso. Vi seu rosto se tornando outro. Não indaguei nada. Ele que me pediu licença e me perguntou se não estava com medo.

Fiquei perplexa com a repentina pergunta. Sem responder, quis saber o porque da pergunta. Ele foi rápido e disse: todos tem medo de mim moça, sou um trapo humano. Era um homem agora parado em minha frente, mantendo uma distância com cuidado para não me assustar. Sua face se transformou ao saber que não estava com medo. Olhei em seus olhos tristes e vi um certo brilho. E disse-lhe: sempre passo e lhe vejo aqui. Ele, ainda com o leve sorriso, me falou: é aqui onde me estaciono, no canto desta calçada e faz tempo, moça. Me perdi pelo o mundo, meus país pensam que eu morri. Fez uma a pausa e voltou a falar novamente. Tirou um saco do bolso e colocou o copo em que tinha tomado o café e o papel. Depois amarrou outra vez na roupa. Aquilo me chamou a atenção e perguntei porque amarrou o saco em sua roupa. Ele respondeu que era para botar no lixo depois. Era apenas um homem que por um motivo qualquer perdeu seu rumo. Com um encantamento, sem nenhum traço de vulgaridade, nem perigo. E pude ouvir sua voz viva.

Meio assustado e constrangido, disse-me:

- Muito obrigado. Vou dormir que ontem a chuva não me deixou em paz.

Fui saindo e percebi que ele é feliz assim. E tem um encanto único, genuíno.