O Legado da Chibata

Ontem, ao assistir 12 Years a Slave, veio uma sensação perturbadora sobre os Estados Unidos. Os americanos devem estar passando por um momento enorme de culpa para a produção de tantos filmes que abordam a escravidão naquele país. Mesmo que o fim da escravidão se confunda com a Guerra Civil Americana.

Ano passo, a Academia recebeu dois filmes com abordagens bem diferentes. De um lado, a força real e arrebatadora de um dos presidentes mais bem-sucedidos do norte da américa, Abrahan Lincoln, que na sua história guarda o feito de abolicionista da escravidão. De outro, a direção astuta e polêmica de Quentin Tarantino para a transformação de um Negro Livre para Herói dos escravos, em Django Livre.

Culpa ou não, o fato é que da história de Solomon Northup ficaram vestígios de uma sociedade mesquinha, egoísta e com o poder arrebatador de se ver no auge, mesmo que para isso mostre uma etnia, que ainda sofre altos índices de preconceito, a detentora do sofrimento e merecedora de prêmios.

Mas, qual foi o legado deixado pelo livro/filme? Edward Larvadain Jr., um advogado e ativista veterano do movimento pelos direitos civis, nos Estados Unidos, diz, em um simpósio em Louisiana, que os brancos da região de Rapides Parish (lugar onde viveu Northup) votariam a favor de trazer de volta a escravidão se não tivessem que "levantar a mão" em público. Ora, se de um lado existem pessoas (em suma, de famílias de donos de escravos) que ainda consideram que a escravidão poderia se fazer presente pelo simples fato de que a sociedade atual nada tem a ver com seus ancestrais que escravizavam negros, de outro, existem herdeiros dessa "culpa" que acreditam só haverá uma real discussão quando os americanos brancos reconhecerem completamente o passado. Talvez por isso ainda há tanto a mostrar no cinema ou em qualquer expressão artística.

E no Brasil? Ainda existe escravidão? De fato que ainda restam vestígios de uma história com marcas profundas e quase impossíveis de cicatrizar. A dívida é enorme quando falamos em erradicar o preconceito racial. No entanto, para quem também considera que, como muitos dos brancos americanos, que a marca deixada no passado nada tem a ver com o presente, basta circular por alguns minutos (ou dias) pelas ruas de sua cidade, ou quem sabe viajar, e terás a certeza de que tanto nas ruas, como nas favelas ou nos presídios e nas lavouras, ainda há altos índices de trabalho escravo. Trabalhadores negros (em sua maioria) que deixaram suas famílias para trabalharem de sol a sol a fim de trazer seu sustento para casa. E muitas vezes nem chega. Crianças que lutam todos os dias até para não deixar a escola e que mesmo assim são julgadas quando crescem e têm a possibilidade de entrar numa faculdade através das cotas.

Solomon Northup não só era alfabetizado, como também expressava sua fúria através da arte. Teve que usar de seus dotes para, como ele mesmo diz, VIVER e não sobreviver. Aqui no Brasil, ir para o trabalho ou para escola é uma luta a cada dia. Os olhares não são os mesmos. E o saber torna-se ainda mais obrigação do negro. O legado de 12 Anos de Escravidão mantém-se até os dias de hoje. De outras maneiras, sim, mas ainda existe.

(04/03/2014)

Thiago Charme
Enviado por Thiago Charme em 05/03/2014
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