A taxa e a democracia

A taxa e a democracia

Quando vi o carnê com o valor da taxa municipal de resíduos sólidos, pensei: “Puxa vida, em junho o país parou por causa de R$ 0,20 nas passagens de ônibus municipais e agora querem de 140 a 280 reais num ano por essa taxa, em dez vezes. Aonde essa fúria arrecadatória vai parar?” A população, logicamente, começou a ir para a rua protestar, em frente a Prefeitura e na Câmara de Vereadores.

Em seguida, descobri que essa taxa, criada pelo Executivo Municipal a partir de uma lei federal de 2010, foi aprovada na Câmara de Vereadores nos últimos dias de dezembro de 2012 e alterada, ao final do mesmo mês, em 2013, sem discussão pública, na total contramão do espírito que levou multidões às ruas do Brasil em 2013, ansiando por mais democracia, qualidade dos serviços públicos e menos impostos, dentre outras demandas.

Na sessão do Legislativo na terça-feira passada e pelas matérias aqui do Portal, ouvi e li que há controvérsia quanto ao fato de a lei federal “obrigar” o Município a criar a taxa, visto que isso foi contestado com todas as letras por alguns parlamentares municipais, o que significa entender que a referida lei apenas “facultaria” ao Executivo criá-la. “Obrigatória” seria apenas a criação de uma política pública de tratamento dos resíduos sólidos.

Assim, ficam as perguntas: Essa taxa de resíduos sólidos é mesmo necessária? O Município não poderia acomodar o custo desse serviço no Orçamento Municipal? O valor que está sendo cobrado não é muito alto? Se essa lei tivesse sido debatida com o devido vagar no Legislativo durante os anos de 2012 ou 2013, com certeza essas questões já poderiam estar claras para a população. Mas não, foi tudo açodado, a toque de (e para o) caixa.

Esses fatos fazem pensar nos limites da democracia representativa. Os agentes políticos eleitos não recebem um cheque em branco da população para debitar taxas em suas contas. Questões centrais, num município, não tem por que não serem debatidas com a população em audiências públicas. E uma taxa como essa, que mexe consideravelmente no bolso dos munícipes (principalmente nos dos contribuintes que ganham menos), mais ainda. E o momento mais propício e pertinente para tal ser feito é durante o trâmite desses temas no Legislativo.

Como isso não foi feito, criou-se a celeuma e os protestos populares, visto que o povo está cansado de ser a “vítima” das ações e decisões tomadas nos executivos e legislativos das diferentes esferas de poder a consumir a capacidade de compra dos seus salários. Não é sem motivo que o Brasil continua sendo uma das piores distribuições de renda do planeta (a quarta pior da América Latina, segundo dados de 2012 da

ONU), onde a fatia dos salários no Produto Interno Bruto é de apenas 35%, pouco em comparação com o de outros paises capitalistas. Não bastasse isso, estamos entre as 30 maiores cargas tributárias do mundo. É nesse quadro macroeconômico (sintomático, como se pode perceber) que se dá a criação da taxa municipal de resíduos sólidos em Charqueadas.

O movimento da população não é contra o Executivo ou o Legislativo, é, percebe-se, uma reação da cidadania ativa por seus direitos, por uma prática democrática que englobe o valor da democracia representativa numa concepção de democracia popular, ou seja, que procure sempre escutar de fato a voz do cidadão para esse, assim, passar de vítima à protagonista da política.

Nesta terça a população estará novamente na Câmara de Vereadores, protestando contraa taxa, contra a sua cobrança, indignada com esses presentes de Natal indesejados.

Estarei lá também.

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Texto publicado na seção de Opinião do Jornal Portal de Notícias, em fevereiro de 2014.