IMPRESSÕES DO RIO GRANDE DO SUL
Depois de vários anos resolvi passar o Natal(2013) e Ano Novo(2014) junto aos meus familiares no Rio Grande do Sul. Imaginava que haveria uma diferença fundamental entre a situação dos gaúchos e dos Pernambucanos, entre os quais estou vivendo há 36 anos. Sob certos aspectos, de fato, há diferenças significativas. Mas, em geral, o Brasil é o mesmo Brasil dentro de todas as suas fronteiras. Os problemas humanos, analogamente, são os mesmos, embora a impressão sobre eles varie bastante. Neste texto vou elencar algumas impressões que senti em relação ao Rio Grande do Sul, e de sua gente, nesta viagem ao meu Estado de nascimento.
Quando cheguei ao Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, tentei embarcar no metrô para São Leopoldo. Os metroviários estavam em greve. Apenas me informaram que deveria tomar táxi até a Rodoviária, e perguntar pelo ônibus que me deixaria em São Leopoldo. Imaginei que tais ônibus, intermunicipais, teriam lugares reservados aos idosos. Têm. Mas ninguém os respeita. Dias depois, me propus viajar para a Região Missioneira, no noroeste do Estado do RS.
O monopólio dos ônibus para a região missioneira é da Empresa Ouro e Prata. Tudo bem, embarquei para uma viagem de mais de 500 quilômetros. Ao embarcar no “Ouro e Prata”, fiquei surpreso, pois, novamente, ninguém respeitava o lugar dos idosos, nem mesmo o lugar que estava no bilhete de embarque. A Empresa também não organizou nenhuma lista de passageiros. E se acontecesse algum acidente nesta viagem noturna de mais de 500 quilômetros, como se saberia quem estava no ônibus? No meu entender, muita falta de prevenção e cuidados!
A região das antigas missões jesuíticas entre os Guaranis, hoje, está toda dividida em pequenos municípios. Uma região predominantemente agropecuária, com plantações de trigo, soja e milho; na pecuária se destaca a criação de porcos e a produção de leite. A terra é fértil. Os inimigos de boas safras são possíveis secas, tempestades com vendavais e chuvas de granizo, e as pragas naturais de lagartas, que são minimizadas com inseticidas.
Em épocas passadas, os agricultores preparavam suas terras para o cultivo lavrando-as com arados, puxados por bois ou cavalos. Hoje, ninguém mais faz isto. As terras são preparadas e cultivadas com máquinas: tratores, colhedeiras. Ninguém mais capina suas terras com enxadas. Para eliminar o inço (mato) usam-se os secantes (herbicidas químicos que eliminam o inço, e respeitam as outras plantações).
Como se pode reparar, o motor do progresso na Região Missioneira do Rio Grande do Sul é o homem trabalhador, os tratores, as colhedeiras, os inseticidas e os herbicidas de diversas categorias e origens. Os herbicidas e inseticidas utilizados são todos agrotóxicos. Alega-se que estes agrotóxicos facilitam o trabalho no campo, e garantem colheitas mais abundantes. Com certeza, isto é verdade. Mas existe um outro lado, bem obscuro.
Veneno é veneno. E os agrotóxicos são venenos. Não só para as ervas daninhas e as pragas de insetos. São venenos também para o meio ambiente, para o ser humano e todos os outros seres vivos. Os agrotóxicos envenenam a terra, as águas e os alimentos. E isto significa o envenenamento da vida em todos os seus níveis.
E quais as consequências deste envenenamento geral? Problemas de saúde para os que trabalham com estes agrotóxicos, para os que consomem os frutos das plantações e os produtos animais (carnes, leite) provenientes destas regiões envenenadas. Também as águas, que correm pelas regiões com muitos agrotóxicos, estão envenenadas, inclusive os peixes que nelas habitam estão contagiados.
Nos meus tempos de guri, vivendo nestas bandas, praticamente não se conheciam casos de câncer, de depressão, de suicídios e doenças nervosas. Hoje, câncer, suicídios, depressões e doenças nervosas já se aproximam de índices epidêmicos nestas regiões. Será que não deveriam ser incentivadas pesquisas para identificar cientificamente as causas de tantas doenças? Com toda certeza, o envenenamento por agrotóxicos ocuparia um lugar importantíssimo no aumento de todas estas doenças.
Por outro lado, há aspectos positivos com tanta plantação de trigo, soja e milho; tanta criação de porcos e gado leiteiro. Aumentou o bem estar da população da região. O poder aquisitivo, tanto da população agrícola como das pequenas e médias cidades da região aumentou significativamente.
Programas governamentais na região, como “minha casa, minha vida”, a aposentadoria dos agricultores idosos, o cuidado com a saúde da população, a criação de uma Universidade Federal reorientaram o sistema de vida de muita gente. Principalmente nos pequenos municípios, não existem favelas. Muitos reformaram suas casas, ou construíram casas novas. Em alguns destes municípios, os prefeitos até têm dificuldade de encontrar pessoas que queiram entrar em programas de financiamentos vantajosos de acesso a créditos oficiais. Até a paisagem de algumas destas cidades mudou, com o número de casas novas com estilo e bem pintadas.
A juventude está estudando. E o impressionante é que alguns destes jovens agricultores que, em outros tempos, estariam condenados a trabalharem toda a vida com arado e enxada, agora estão nas universidades, não só como alunos de graduação, mas, inclusive, com doutorado feito e lecionando nas melhores universidades do país. Admirei-me muito com alguns exemplos, neste sentido, de pessoas que, em outros tempos, conheci, e dos quais se pensava que nunca chegariam a tanto. Bastou que tivessem uma chance, e alguns apoios, para que demonstrassem seus talentos.
Apesar dos senões, a região missioneira do Rio Grande do Sul me deixou uma impressão de dinamismo e progresso. Claro, ali também existem todos os problemas humanos, com pessoas drogadas e alcoolizadas, com doenças novas por intoxicações por agrotóxicos, etc.
Retornando desta região, para regressar ao Recife, confrontei-me novamente com alguns sintomas não tão positivos. Porto Alegre tem as mesmas mazelas de outras capitais do Brasil. Também quanto ao potencial humano. Pessoas informadas, e pessoas desinformadas. Esperava, por exemplo, que os projetos para a Copa Mundial estivessem mais adiantados; que os taxistas estivessem melhor preparados para receber os turistas; que o Aeroporto já estivesse melhor equipado com serviços de informação aos viajantes. A desinformação dos taxistas, que levam passageiros ao Aeroporto é calamitosa; os serviços de atendimento no Aeroporto Salgado Filho está abaixo de toda crítica. Que coisa! Mas, por enquanto, é esta a nossa realidade. Sob este aspecto, esperava impressões melhores de meu Estado, o Rio Grande do Sul.
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Inácio Strieder é professor de filosofia – Recife/PE