Somos Substâncias

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Um ser só existe por completo dentro do espaço-tempo. Logo, ao punir-se um indivíduo por crimes cometidos no passado, não se está punindo o mesmo indivíduo em sua completude, mas sim uma nova face, uma transformação do mesmo. Isso porque a cada segundo o ser está passando por processos que o alteram em maior ou menor grau.

Esses processos podem ser iniciados internamente e “naturalmente”, como a transformação de carboidratos dos diferentes alimentos em gordura corporal, ou podem ser iniciados externamente e “induzidos”, como comentários de outras pessoas que alterem o estado emocional do alvo das opiniões.

No entanto, nota-se que algo é constante dentro de um indivíduo, há algo que nos faz diferenciar Carlos de Miguel e Miguel de Carlos. A isso podemos dar o nome de essência*, aquilo que faz alguém ser aquele alguém mesmo ao longo do tempo, indiferente das mudanças que esse sofre, por mais impactantes que sejam – morte de parentes ou desenvolvimento de doenças ou problemas mentais, por exemplo.

Em todo momento que vivemos, existem esses processos que alteram nosso humor e nossa tendência a sermos generosos, assassinos, histéricos ou paranoicos, seja o ciclo menstrual de uma mulher, a diminuição na ingestão de gorduras, ou o uso de cafeína ou de cocaína. E é por isso que não faz sentido aliviarem-se penas de pessoas por estarem sob efeito de substâncias – com apenas uma exceção** -, visto que nós somos substâncias em movimento. Logo, há sempre diversas substâncias que, a cada momento, mudam-nos um pouco.

Em todos esses casos, a essência está inalterada e, ainda, tomamos a atitude de ingerir substâncias que mudariam nossos “Eus” – nossos seres em sua completude – no espaço-tempo antes de estarmos sob efeito desses produtos. Assim, tomamos o risco de poder prejudicar outrem e, caso isso de fato ocorra, deveríamos ser punidos de forma idêntica, tenha existido a ingestão de cocaína ou de maconha, de café ou de água.

Uma justiça que tentasse controlar todos esses fatores estaria sendo: ingênua, injusta e arrogante por acreditar que pode determinar todas as substâncias usadas e os respectivos efeitos sobre a essência individual – o que acarretaria em infinitos erros e, por conseguinte, injustiças; e opressora, ao esmagar qualquer responsabilidade individual e cálculo de riscos próprio em troca de uma uniformização de valores e consequências dos usos dos mais diferentes produtos.

O que quero dizer é que, motivos, sempre existem para qualquer crime – senão, o crime não aconteceria. O que muda, no entanto, é se socialmente os consideramos “banais” ou não. Assim, alguém que matou por algum distúrbio mental reconhecido é considerado quase que vítima, enquanto alguém que matou premeditadamente e apenas por uma vingança “banal” é considerado um monstro.

Contudo, um assassino é um assassino, seu crime foi o assassinato. Os fatores desse ato, sempre existirão e aparecerão – caso bem pesquisados. O que garante que o “assassino frio” não tem, na verdade, uma condição genética que o faz mais suscetível a desejos de vingança? Logo, percebe-se que os motivos que fazem o mesmo crime ser considerado ora perdoável, ora imperdoável, são apenas critérios socialmente e arbitrariamente construídos. Isso porque não existem reais motivos para considerar algo melhor uma vez cometido por um louco ou alguém em estado alterado, uma vez que porquês sempre existem e as consequências à vítima são as mesmas.

* atualmente creio que o melhor modo de definir a essência de um homem seja pelo seu DNA – que mesmo assim sofre algumas alterações ao longo da vida, mesmo que muito pequenas.

** no caso de alguém ter sido involuntariamente dopado por outra pessoa – isso porque, nessa situação, a pessoa não pôde calcular riscos, além de ter uma sua auto-propriedade violada no momento em que não tinha controle sobre o próprio corpo.

OtavioZ
Enviado por OtavioZ em 16/01/2014
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