SAMPA SEM TETO, A PROCURA POR UM CHÃO

Saiba, Caetano, alguma coisa ainda acontece no meu coração...

Este meu artigo tem um caráter dissipativo da dor duma alma cidadã: uma ópera que chora por São Paulo.

Começo a afirmar que nenhum fato social existe sozinho, tampouco as tragédias humanas se originam por acaso, no instantãneo imediato dum tempo, solto sem nexo, desconectado da História.

Não, todo caos demanda por atos, fatos, e um certo tempo de complexo descaso.

Começamos o ano de 2014 e como brasileira paulistana que ama sua cidade e o seu país, hoje já tenho dúvidas inquietantes sobre se realmente nos é permitido amar e inclusive sonhar com um espaço melhor para se viver, sob pena de sermos açoitados como sendo "os do contra" frente ao atual "status quo", o que nos gera pânico aos olhos, principalmente quanto a uma bela e acolhedora cidade que já teve dias bem melhores no que se refere à qualidade de vida para todos.

Hoje as notícias mostram uma São Paulo alarmantemente perdida, não dá mais para ninguém esconder, tampouco se esconder dos efeitos do caos.

Eu procuro com muito esforço olhar para algo que funciona na minha cidade, todavia, a situação mais alarmante aos olhos é a multidão de pessoas maquinadas, sem trabalho e sem rumo, os sofredores crônicos que se avolumam em progressão geométrica nas calçadas, muitos vítimas da drogadição implementada pela falta de perspectiva da tão cantada implementação da cidadania pelo poder público, todos a perambular pela cidade sem teto e sem chão, sob as promessas sociais nitidamente falidas...que agora o povo cobra com toda razão.

A casa caiu! E ninguém a levantará dum chão onde as promessas não saem do papel dos discursos dos palanques.

E quando olho para trás a procura do modus operandis histórico que demandou por tudo de triste que vemos hoje, enxergo nitidamente que a criatura se virou contra o criador.

Ninguém dá mais conta do que foi plantado socialmente sem terra arada e devidamente adubada, só Deus por todos nós.

As soluções gestoras apresentadas apenas paliam os resultados do caos e pouco atingem as raízes da nossa gravíssima problemática social.

Vivemos de sinalizações gestoras dos perigos iminentes: "cuidado, aqui existe a chance duma tragédia anunciada". E ponto.

Por aqui, acreditem, não mais alcançaremos a dignidade social a curto prazo, sem políticas públicas que implementem a cidadania de fato e bem urgentemente, fato posto, o que será apenas para o desfrute social das futuras gerações bem distantes de hoje, as que poderão se beneficiar dum bom gerenciamento público, com real responsabilidade pelo e para o futuro.

Não acredito mais nesse presente.

Falo em dignidade social para todos, porque de certa forma a situação dramática de São Paulo gera violência para todos os lados, ninguém está immune do caos e nossa convulsão social decerto que é um retrato ampliado do que ocorre em todo o Brasil!

Entre nós, o déficit dum chão digno dentre os cenários tristes que explodem a olhos vistos do dia para a noite nos faz doer o coração paulistano, até o mais insensível para o entorno de dramaticidade que tão cruamente se encena a céu aberto.

Não percamos a capacidade de indignação!

Aproxima-se o aniversário dos nossos quatrocentos e sessenta anos da cidade, dentre uma ópera ambulante muito tristemente encenada em atos surrealistas, aonde nossos mais belos cartões postais se desbotam frente as cores doloridas e dolorosas das nossas tragédias plantadas e tão negligenciadas pelo extenso tempo.

Nossas velas se apagaram.

Espero que um dia eu ainda possa acendê-las em texto, a escrever uma ode de renascimento frente a uma cidade que morre aos poucos...lentamente, todos os dias.

Meus sinceros sentimentos filiais, São Paulo.

Vou rezar por você e consequentemente por todos nós, paulistanos de todo o Brasil...nesta cidade planeta urbano do mundo.