O dia da mula-manca
O DIA DA MULA-MANCA
Havia em Porto Alegre, lá pela metade do século XX, época da minha adolescência, um veículo curioso, um calhambeque conversível azul que se chamava “a afamada mula-manca” que era utilizado em desfiles, puxava os corsos do carnaval e até aparecia em procissões e outra atividades. Geralmente a expressão “mula-manca” se referia a algum erro ou rateada, quando alguém cometia ou dava alguma “mancada”, passando por alguma situação ridícula.
De lá para cá, os artistas sertanejos, alguns comunicadores, certos viadinhos da tevê e o pessoal das redes sociais adotou a expressão “pagar um mico” como expressão semelhante ao errar ou dar uma mancada. O que significa “pagar mico” literalmente falando? Em qual história ou fábula alguém errou comprando um mico? Não se sabe!
Esse mesmo pessoal, patricinhas, brothers e outros filólogos de plantão cunharam a expressão “levar/dar um piti” (pronunciam pití) com o sentido de chamar a atenção, dar uma “mijada”, passar uma descompostura, ou dar uma destratada em sinal de protesto por alguma falha cometida. Em algumas situações, piti assume, nos dicionários informais da escumalha, o sentido de escândalo. Nas novelas, legítimo “caldo de cultura” da mediocridade nacional, essas palavras tem livre curso.
Essa mesma turma, que deturpa o vernáculo com esses neologismos idiotas, não cansa de, para demonstrar sua alegria, fazer coraçõezinhos com as mãos, num simplório gesto que está na moda. Fazer o quê?
Pois nesses dias transição entre 2013 e 2014 faltou água em muitas cidades da Região Metropolitana. Isto não é nenhuma novidade para quem sofre anos a fim com os maus serviços prestados pela Corsan, seja na baixa qualidade da água, na manutenção tempestiva das redes e no pífio atendimento dos pedidos de conserto dos vazamentos nas ruas. Pois nesses dias eu escutei da boca de um repórter de uma rádio da Capital, uma mancada descomunal. A coitada da mulher, moradora de Gravataí estava há mais de uma semana sem água, querendo limpar a casa da enchente e condenada à virada de ano na seca em sua casa. O repórter, por certo um neófito na comunicação, desejou-lhe sorte, saúde de culminou com um sonoro e despropositado “bom réveillon para a senhora”! Que réveillon, meu chapa? Foi o “dia da mula-manca”.
Por causa de uma falta de sensibilidade social desse tipo, quando o povo sem pão protestava na frente do palácio de Versalhes, a rainha Maria Antonieta perguntou: “Eles não têm pão? Por que não comem brioches?”. Essa mancada custou-lhe literalmente a cabeça na quilhotina. Outra intervenção da “mula-manca” se fez notar em várias capitais, com a queima em média 10 toneladas de fogos. Quanto custou esse fumacê? Dava para custear muitos hospitais e escolas, não?