Cronologia das secas no sertão nordestino (1583 - 2013)

Tem sido noticiado na imprensa brasileira que o último ciclo seca no sertão nordestino foi um dos mais graves das últimas décadas. A população de mais de 1400 múnicipios afetados pelas estiagens permanecem em situação de emergência esperam por alguma medida efetiva do governo brasileiro e das autoridades locais.

A chamada área do sertão do Nordeste, possui clima tropical seco e se estende desde as proximidades da margem direta do Rio Parnaíba, no extremo Norte até o Rio Itapicuru no extremo sul, abrangendo os estados: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas , Pernambuco, Sergipe e Bahia. Nessa extensa área do semiárido se constitui aquilo que se chama polígono das secas. Esses surtos causados pelas estiagens, passam a ser intercalados ciclicamente, não apresentando uma forma parcial e discreta como em outras regiões do Brasil.

Muito além de ser um fenômeno natural, o flagelo da seca possui causas econômicas, sociais políticas e culturais secularmente presentes na vida da população do sertão nordestino. Trata-se de um problema complexo que perpassa o período da colonização, a dependência do país junto as grandes metrópoles, ao cercamento da terra e desapropriação dos povos nativos de seus territórios, ao preconceito moral e desinformação, a distribuição de água para famílias e em função das elites dominantes (oliguarquia política) da região que formentam a chamada indústira da seca.

A seca, ao contrário do que muitos pensam, vem de um passado remoto da nossa história. Apesar de que o cenário modificou-se em alguma medida, o cronograma abaixo demonstra como o flagelo da seca vem se perpetuando de forma vergonhasa ao longo do tempo:

1583/1585 - Primeira notícia sobre seca, relatada pelo padre Fernão Cardin, que atravessou o sertão da Bahia em direção a Pernambuco. Relata que houve "uma grande seca e esterilidade na província e que 5 mil índios foram obrigados a fugir do sertão pela fome, socorrendo-se aos brancos". As fazendas de canaviais e mandioca deixaram de produzir.

1606 - Nova seca atinge o Nordeste.

1615 - Seca sem grande repercussão/ efeito.

1652 - Seca atinge o Nordeste.

1692/1693 - Uma grande seca atinge o sertão. A peste assola a capitania de Pernambuco. Segundo o historiador Frei Vicente do Salvador, os indígenas, foragidos pelas serras, reuniram-se em numerosos grupos e avançaram sobre as fazendas das ribeiras, entrando em conflito com a população local .

1709/1711 - Grande seca atinge o Nordeste, estendendo-se até a Capitania do Maranhão, espalhando fome entre seus habitantes.

1720/1721 - Seca alarmante nas províncias do Ceará e do Rio Grande do Norte.

1723/1727 - Grande seca, fazendo dos engenhos verdadeiras ruínas. Irineu Pinto relata que os fiscais da Câmara pediram a El-Rey que mandasse escravos, pois os da região haviam morrido de fome.

1736/1737 - Outra seca no nordeste causa prejuízos à região.

1744/1745 - Seca provoca morte do gado e fome entre a população. Alguns historiadores afirmam que crianças que já andavam, devido à desnutrição, voltaram a engatinhar.

1748/1751 - Grande seca atinge a região.

1776/1778 - Uma das mais agravantes, pela falta de chuva e por coincidir com um surto de varíola, iniciado no ano anterior e que se prolongaria até 1778, provocando um alto índice de mortalidade. Quase todo o gado ficou perdido na caatinga. A Corte Portuguesa determinou que os flagelados fossem reunidos em povoações nas margens dos rios, repartindo-se entre elas as terras adjacentes.

1782 - Foi realizado um censo para determinar a população de áreas sujeitas a estiagens, cujo resultado apontou 137.688 habitantes.

1790/1793 - Seca transformou homens, mulheres e crianças em pedintes. Foi criada a Pia Sociedade Agrícola, primeira organização de caráter administrativo, cujo objetivo era dar assistência aos flagelados.

1808/1809 - Seca parcial atinge Pernambuco, na região do São Francisco, onde 500 morreram por falta de comida.

1824/1825 - Aliada à varíola, grande seca gerou muitas mortes na região nordestina. Os campos ficaram esterilizados e a fome chegou até os engenhos de cana-de-açúcar.

1831 - A Regência Trina autorizou a abertura de fontes artesianas profundas, na tentativa de resolver o problema da falta de água.

1833/1835 - Grande seca atinge Pernambuco.

1844/1846 - Seca de grande proporção provocou morte do gado e espalhou fome entre os nordestinos. Um saco de farinha de mandioca era trocado por ouro ou prata.

1877/1879 - Uma das mais graves secas que atingiram todo o Nordeste. O Ceará, por exemplo, tinha na época uma população de 800 mil habitantes. Destes, 120 mil (ou 15%) migraram para a Amazônia e 68 mil pessoas foram para outros estados.

1888/1889 - Grande seca atinge Pernambuco e Paraíba, deixando lavouras destruídas e vilas abandonadas.

1898/1900 - Outra grande seca atinge somente o Estado de Pernambuco.

1903/1904 – Vítimas da seca, milhares de nordestinos abandonam a região. Passou a constar na Lei de Orçamento da República uma parcela destinada às obras contra as secas. Criou-se três comissões para analisar o problema das secas nordestinas.

1908/1909 - Seca atinge principalmente o sertão de Pernambuco. Em 1909 foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS).

1910 - Foram instaladas 124 estações pluviométricas no semi-árido nordestino. Até então, haviam sido construídos 2.311 açudes particulares na Paraíba e 1.086 no Rio Grande do Norte.

1914/1915 - Seca intensa em toda região semi-árida nordestina.

1919/1921 - Em conseqüência dos efeitos dessa seca (que teve grandes proporções, sobretudo no sertão pernambucano), cresceu o êxodo rural no Nordeste. A imprensa, a opinião pública e o Congresso Nacional exigiram a atuação do governo. Foi criada, em 1920, a Caixa Especial de Obras de Irrigação de Terras Cultiváveis do Nordeste Brasileiro, mantida com 2% da receita tributária anual da União, além de outros recursos. Mas efetivamente, nada foi feito para amenizar o drama das secas.

1932 - Grande seca no Nordeste.

1945 - Mais uma seca atinge o Nordeste. Foi criado o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) que passou a desempenhar as tarefas antes atribuídas à Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, criada em 1919.

1951/1953 - Grande seca atinge todo o Nordeste.

1953 - Outra grande seca no Nordeste. O DNOCS propôs um trabalho de educação entre os agricultores, com o objetivo de criar núcleos de irrigação.

1966 - Seca atinge parcialmente o Nordeste.

1970 - Grande seca atinge todo o Nordeste, deixando como única alternativa para 1,8 milhões de pessoas o engajamento nas chamadas "frentes de emergência", mantidas pelo governo federal.

1979/1984 - A mais prolongada e abrangente seca da história do Nordeste. Atingiu toda a região, deixando um rastro de miséria e fome em todos os Estados. No período, não se colheu lavoura nenhuma numa área de quase 1,5 milhões de km2. Só no Ceará foi registrada mais de uma centena de saques, quando legiões de trabalhadores famintos invadiram cidades e arrancaram alimentos à força em feiras-livres ou armazéns.

Segundo dados da Sudene, entre 1979/1984, morreram na região 3,5 milhões de pessoas, a maioria crianças, por fome e enfermidades derivadas da desnutrição. Pesquisa da Unesco apontou que 62% das crianças nordestinas, de 0 a 5 anos, na zona rural, viviam em estado de desnutrição aguda.

Os séculos se passaram e o cenário da seca continua o mesmo.

1993 - Grande seca atinge todos os estados do Nordeste e parte da região norte de Minas Gerais. Só no nordeste, de acordo com dados da Sudene, um total de 1.857.655 trabalhadores rurais que perderam suas lavouras foram alistados nas chamadas "frentes de emergência". Pernambuco foi o estado que teve o segundo maior número de agricultores alistados nessas frentes, com 334.765 pessoas, perdendo apenas para a Bahia (369 mil trabalhadores alistados).

As perdas de safras foram totais, em todos os Estados Nordestinos.

1998 - No final do mês de abril, vêm agressivamente, mais uma vez, os efeitos de uma nova seca no Nordeste: população faminta promovendo saques a depósitos de alimentos e feiras livres, animais morrendo e lavouras perdidas. Com exceção do Maranhão, todos os outros estados do Nordeste foram atingidos, numa totalidade de cerca de 5 milhões de pessoas afetadas. Esta seca estava prevista há mais de um ano, em decorrência do fenômeno El Niño, mas, como das vezes anteriores, nada foi feito para amenizar os efeitos da catástrofe.

2001 - Praticamente um prolongamento da seca iniciada em 1998 (que se estendeu por 1999 e apenas amenizou-se em 2000). A seca de 2001 teve uma particularidade em relação às anteriores: ocorreu no momento em que não só o Nordeste, mas todo o Brasil vivia uma crise de energia elétrica sem precedentes em todo a história do País, provocada por falta de investimentos no setor e pela escassez de chuvas. Daí, o nordestino desabafou: "Agora é sem água e sem luz!"

2012 - O Nordeste tem a pior seca dos últimos 30 anos (alguns meios de comunicação afirma que dos últimos 60 anos), desimano quase por completo a Pecuária e Agricultura familiar. A terra sem verde, os rios sem água e os animais magros ou mortos pelos pastos do sertão. Em algumas regiões do semi-árido nordestino não caiu nenhuma gota d'água em 2012.

2013 - É praticamente a continuação da seca de 2012. A seca já provocou prejuízos da ordem de R$ 5 bilhões no primeiro trimestre só estado do Rio Grande do Norte, 33% do rebanho bovino foram perdidos, sem chuva, até as abelhas deixam o sertão, dizem apicultores. Somente em algumas áreas isoladas a chuva atingiu a média histórica, em grande parte do semiárido brasileiro a seca já é considerada a pior dos últimos 50 anos. No Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará e na Paraíba a queda na produção agrícola foi superior a 91%. Em muitas cidades o sistema de abastecimento de água entrou em colapso, ficando assim o abastecimento sendo feito através de carros pipa.

Cronograma retirado de: http://ogritodaseca.openbrasil.org

Inã Cândido
Enviado por Inã Cândido em 18/12/2013
Reeditado em 19/12/2013
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