A ELOQUÊNCIA DA GENTILEZA
 

Durval Carvalhal


 
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          Quando eu trabalhava no bairro do Comércio, em Salvador, percebia que todas as vezes que um mendigo se espichava para me pedir esmolas, ele ficava triste e frustrado quando eu nem olhava para ele. Todavia, quando eu lhe sorria e lhe dizia algo como: perdão, hoje eu não tenho trocado, ele se mostrava satisfeito e, às vezes, balançava a cabeça de forma positiva.
              Gentileza é uma gostosa visão de mundo que interfere no modo de agir e de ser; é um atributo sofisticado e profundo que transcende o “ser educado”, ou o cumprimento de regras de etiquetas. Ela mantem estreita relação com o caráter, os valores e a ética, e é extremamente benéfica, na medida em que abre portas, muda o rumo de conflitos, facilita negociações, transforma humores, melhora as relações. Por fim, a gentileza propicia inúmeras vantagens tanto para quem é gentil, quanto para quem recebe gentilezas.
               Ser gentil não é ser bobo, nem bonzinho, fazendo tudo o que os outros querem, mas agir para tornar a vida melhor, ou pelo menos mais palatável. Ser gentil significa ser delicado, amável, cortês e ter a capacidade de ser empático, tratando os outros com respeito por ver nele um ser humano igual, que também sonha, tem problemas, necessidades, medos, dúvidas, qualidades e defeitos. Dessa forma, resiste-se à tentação de julgamentos assentados em impressões momentâneas, em face da classe social, etnia, religião, política e que tais.
           A gentileza deve ser incorporada ao cotidiano como forma de se construir um mundo melhor. Segundo o cientista Sam Bowles, “gentileza foi um fator preponderante para a evolução da espécie humana”. Para ele, nas sociedades antigas, a gentileza foi fundamental para o bom funcionamento das comunidades, projetando-as no longo prazo.
               Num passado não muito distante, as pessoas nasciam, cresciam, estudavam, casavam-se, tinham filhos, trabalhavam e morriam na mesma cidade ou estado. Tudo se concentrava no bairro em que moravam, onde frequentavam a praça, a igreja, o clube, e se conhecia o “amor da vida”. Era um ambiente propício para a prática da elegância e da cortesia.
            Modernamente, o ritmo estonteante da vida mudou muito quase tudo. Vive-se em espaços geográficos imensos, industrializados, habitados por pessoas de vários lugares; espaços poluídos, violentos, cuja rotina cega todo mundo. Mora-se em casas ou apartamentos, de cujos vizinhos, nem se sabem os nomes; pouco se sabe dos colegas de trabalho ou de escola; poucamente, visitam-se parentes. Mal acaba uma aula na faculdade ou um espetáculo no teatro, todos se evaporam num átimo.
              As pessoas, grosso modo, ficaram muito intolerantes, agressivas, egoístas, fechadas, arrogantes e dominadas por ideias equivocadas. E premidas a ter sempre mais, a cumprir prazos, a atingir metas, vão ficando, cada vez mais, insensíveis. E é nesse bojo de tanta insensibilidade, que se agem e se relacionam com os outros de forma pouco gentil, apressada e automatizada.
             Daí, a pergunta torturante e preocupante: E agora, José, com a pulverização do tempo e com as relações superficiais, como aprofundar o contato com as outras pessoas, senão com a retomada da prática da GENTILEZA?
Durval Carvalhal
Enviado por Durval Carvalhal em 16/11/2013
Reeditado em 13/11/2018
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