Do vazio da existência aos closets abarrotados do “nada”
Uma vida vazia pode levar ao consumo exagerado. Dependendo do “tamanho” do vazio (se for possível mensurar algo que é igual a nada), o consumo exagerado pode se tornar um transtorno compulsivo com sérias consequências.
Antes de avançarmos em nossas considerações creio ser interessante estabelecermos o sentido de “vazio existencial” a que nos propomos estudar. Segundo Heidegger, o vazio da existência é inerente ao homem, algo com o qual ele nasce. Nasce sem saber porquê e ao tomar ciência de sua situação, conscientiza-se de sua finitude, da possibilidade de um dia “não-ser”, o que o leva à angústia. Para Lacan esse vazio é algo ainda mais profundo, é a “falta da falta”, é não ter mais do que sentir falta. (LACAN, 1956-57) Em um sentido ainda mais amplo poderíamos dizer que ao declarar “Deus está morto!”, Nietzche verbalizou e disseminou o sentimento do vazio da existência, a consciência e a angústia provocada pela falta de algo para sentir falta. (NIETZCHE, 1882)
O problema do vazio não é então, algo novo? Como explicar o fenômeno do consumismo exagerado, que beira a insanidade, tão comum em nossos dias?
Ao colocar o homem como o centro do universo o humanismo renascentista provavelmente não logrou prever as consequências de seus postulados a longo prazo, e ao libertar-se das garras de um sistema religioso que sufocava, deu ao homem tamanha importância que lançou as bases para o que conhecemos hoje como o “culto ao eu”, onde não há espaço para deuses opressores, porém tampouco para laços fraternais com outros homens.
Avançamos um pouco mais no tempo e chegamos à modernidade, momento em que a mídia, com suas propagandas “tecnicollors” cada vez mais apelativas, incute na mente do indivíduo a ideia de ter, ter, ter. O desejo de posse, divulgado diariamente em todos os meios de comunicação, distancia cada vez mais as pessoas, quebrando laços, propagando a noção da competitividade, das aparências, do narcisismo. Confrontados com os “ideais” de perfeição, estereotipados pelas “superestrelas”, somos levados a concluir cada vez com mais certeza que somos realmente “nada”.
Como se não bastassem estímulos intelectuais contamos também com os fisiológicos, demonstrados em pesquisas que revelam que a falta de certas substâncias como a serotonina e a dopamina aumentam a propensão a essa sensação de desamparo e angústia, contribuindo para o surgimento de dependências as mais diversas, entre elas, o consumismo patológico.
E então, para que o ciclo estivesse completo, temos o capitalismo misturando a noção do “ter” com a do “ser”, incentivando o consumo descabido, a ânsia por objetos dos quais não precisamos e que muitas vezes não terão utilidade alguma.
Ingredientes extremamente homogêneos, solúveis entre si, aí está a receita pronta: o ser vazio de “si mesmo”, porém cheio de coisas adquiridas compulsivamente na tentativa rota de encontrar a realização pessoal, a felicidade. O círculo vicioso se repete, pois o consumismo, como um monstro, se alimenta e sobrevive do desejo insatisfeito. A relação do homem com o objeto adquirido deve ser propositalmente transitória e efêmera para que em um prazo curto de tempo outro objeto seja adquirido e o ciclo não tenha fim.
Em nossa busca desesperada pela liberdade, pela cientificidade empírica e pela razão, abrimos mão de algumas teorias vistas hoje em um viés preconceituoso por aqueles que se autodenominam intelectuais. Tardiamente, porém, estamos percebendo a falta que tais teorias fazem para dar algum sentido ao mundo e à vida. Se a crença em um ou mais deuses ou mitos, ou filosofias, ou religiões trazem ao ser o sentido de “ser”, o que é melhor? “Ser” de maneira ilógica ou de braços dados com a razão caminhar angustiado para o momento final do “não-ser”?