O Sufrágio Universal, Para Eleição do Poder Executivo Por Si Só, Caracteriza Uma Democracia?


     Parodiando as famosas palavras, ditas a respeito da Liberdade, podemos exclamar, hoje em dia: "Democracia ! Democracia ! Quantos crimes se cometem em teu nome !..
   Com efeito, Democracia passou a significar para muita gente, uma simples palavra mágica, uma espécie de panacéia universal, destinada, com a sua simples invocação, sanar todos os males da sociedade política moderna, justificar todos os crimes, coonestar todas as atitudes, mesmo as mais violentamente contraditórias.
    Democratas, por exemplo, batizam-se governos como o da Rússia e o da Iugoslávia, crismam-se como o da Alemanha Oriental e o da Rumânia, apelidam-se sistemas como o da China e da Albânia, sem conter tantos outras formas de violenta tirania, características da prática do governo mais descaradamente anti-povo que jamais foi concebido ao longo de toda a longa história da sociedade civil humana.
  Muita razão tem Armand Cuvillier quando, na introdução do seu dicionário filosófico, se queixa de que parece que hoje em dia nos esforçamos por não mais chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, aviltando as palavras em significados diretamente contrários aos que se lhes atribuia até agora.
 É por isso que reputamos absolutamente indispensável, antes de entrarmos propriamente no mérito da questão proposta, esclarecer, o melhor possível, o sentido autêntico de termos tais como Democracia, sufrágio universal, etc.
   Há muita gente, nos tempos que correm, que age exatamente como o célebre corvo da fábula: Não conhecendo o real valor do queijo que tem no bico, abandona-o pela falsa imagem da lua que se reflete ilusoriamente no lodo.
       
    

                     CONCEITO DE DEMOCRACIA

    Comumente, o conceito de Democracia oscila entre dois focos principais: ora é tomado como estrutura sócio-política, ora é tomado como regime de governo. Com bem assinala Eduardo Prado de Mendonça, "torna-se necessário focalizar preliminarmente este fato, pois dái decorrem os tratamentos equívocos pela confusão das perspectivas tomadas englobadamente sem as devidas definições".
    a) Democracia como atitude: é um modo peculiar de encarar os fatos sociais. Daí o nome de "espírito democrático" que é uma inclinação que simpatiza com as reinvindicações e o atendimento dos problemas da maioria, uma atitude de luta, de interesses pela defesa dos mais fracos, uma atitude de luta em favor dos menos favorecidos.
    b) Democracia como regime político: Erradamente, toma-se em geral o conceito de "regime democrático" como conceito fechado, abstrato, sem levar em conta as caracteristícas flexiveis que lhe são inenerentes em sua encarnação prática. Tomar rigidamente o conceito, sem distinguir seus variados modos de aplicação, tem levado muitos teóricos da Democracia a afirmar que "a Democracia só pode constituir um "ideal político", mas jamis se realizar como sistema de governo".
– Outro erro comum no tratamento da Democracica como regime político é o que consiste em identificar como suas notas essenciais com as características que ela toma em um determinado regime historicamente instalado, seja ele o das cidades gregas, ou o da Democracia norte-americana, ou o da Monarquia Inglesa. Não o podemos abordar em termos descritivos, como quem procura um modelo, mas eslarecê-lo em termos de princípios. 
 – Antes de tudo, Democracia é um conceio de sentido dinâmico e não de sentido estático. Sem dúvida. Sem dúvida, representa a conquista de um estágio políico, mas é, sobretudo, uma aspiração permanente, uma vez que sua perfeição só pode existir como forma de procura de uma adequação constante ao estado de aperfeiçoamento progressivo da existência humana. Desta forma, as deficiências de sua implantação não devem conduzir ao sentimento depressivo de insucesso e falência, mas despertar a coragem de prosseguir em busca de novas soluções correspondentes às exigências de cada momento histórico. 
– Jungir o conceito de Democracia a determinados, aspectos formais que o regime democrático possa ter tomado em outro país, noutras circunstâncias históricas e com outras realidades nacionais, é desconhecer a própria essência dinâmica da Democracia. Neste sentido, podemos entender perfeitamente que um estado de exceção pode significar mais em vista ao ideal democrático se tiver sentido saneador, do que formas aparentemente democráticas em que o manejo das massas represente uma deformação dos fins próprios a esse regime político.
c) Quais serão, então, as características essenciais da Democracia?
 – Etimologicamentge, Democracia origina-se de duas palavras gregas? demos, que significa "povo", e kracia, quer quer dizer "poder". Historicamente, o primeiro a empregar a expressão "Democracia" foi Heródoto. Segundo ele, "o governo do povo, antes de qualquer outro, leva o nome que é mais fascinante: igualdade de direitos. Além disso, prossegue Heródoto, não proporciona nenhum dos males próprios â Monarquia: tem a direção da magistratura, dá contas do poder exercido, submete ao público todas as deliberações". O sofista Protágoras, o primeiro teórico da Democracia, considerava a "Demagogia" (condução do povo) como a mais importante das artes políticas. Para ele, o principal era convencer o maior número, para obter assim a maioria das assembléias democráticas. Vê-se daí que já de bem cedo a Democracia acompanhou como uma sombra a Democracia, sendo o principal responsável pela deturpação e consequente fracasso de tentativas democráticas do Estado grego. A tal ponto chegou tal deturpação que Platão, procurando reagir contra a tirania do número e as graves consequências da Demagogia, então identificadas com a Democracia, idealizou um regime político fundado numa oligarquia ou aristocracia intelectual, e a "noocracia" ou o governo de sábios. Aristóteles procurou conciliar ambas as correntes: a Democracia é criticável pelo abstracionismo indistinto do direito de igualdade, sendo necessário contrabalançar a igualdade fundada no número com a igualdade fundada no mérito. Segundo Aristóteles, o Estado é uma associação política moral: todos os que dela participam e para ela contribuem têm em relação a ela direitos proporcionais. O governo ideal, para Aristóteles, seria composto de elementos oligárquicos e elementos democráticos, fundados numa vasta classe média, na qual se equilibravam as várias pretensões ao poder das várias classes sociais.
     As ideias iniciais de Democracia ficaram incubada durante séculos, brotando esporádicamene aqui e ali durante a Idade Média. Mas não morta, com muita gente parece pensar. Pelo contrário, foi justamente na Idade Média, sobretudo com Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino e os Escolásticos em geral, que fermentaram e se estruturam as bases da Democracia em seu conceito mais pleno. Com efeito, como muito bem o provam Redden e Rian, foi nos Escolásticos, sobretudo em Suares e Belarmino, que os fundadores da Democracia Americana beberam as ideias fundamentais com que construiram a Declaração da Independência. O mesmo se pode dizer de todas as demais explosõe democráticas, quer da própria Idade Média, quer da Idade Moderna.
     Como já dissemos, não será em tal ou tal exemplo concreto, historicamente, de estado democrático, que encontraremos as características básicas, essenciais, da Democracia, mas, nos princípios básicos que nortearam a norteiam a aplicação histórica e concreta da Democracia. Neste sentido, não podemos simplesmente idenificar a Democracia com qualqur um dos sistemas ou regimes que ele pode ter assumido na prática política. Nem somos obrigados a modelar por um, vários ou todos esses regimes a Democracia de nosso país.
   Isso é sobretudo verdade quando sentimos, através de seus discursos e escritos, a preocupação dos políticos brasileiros, em geral, de identificarem o ideal democrático com o regime representativo adotado em quase todos os países modernos. Nem mesmo teoricamnte a Democracia se esgota no regime representativo. E se se esgotasse praticamente, então seria a falência completa da Democracia. A representação popular é apenas uma forma, mas não a essência da Democracia. Em seu desenvolvimento e aperfiçoamento dinâmico, a Democracia pode e deve assumir outras formas mais condizentes com os princípios básicos que a orientam. Com efeito, a chamada "crise da Democracia", da qual hoje tanto se fala, não é na realidade crise da Democracia, mas simplesmente crise, falência do regime representativo. Não é propósito deste trabalho apresentar soluções, nem alvitrar sugestões, mas apenas fixar princípios. É tarefa da ciência políica e, mais do que de todos, tarefa daqueles que tomaram sobre seus ombros o saneameno da Democracia nacional, descobrir fórmulas capazes de instaurar realmente em nossa terra em todas sua plenitude, o verdadeiro ideal democrático. 
– Que há então de caracteristicamente básico na Democracia?
a) Como regime político, Democracia é o que garante realmente a participação do povo no governo e na elaboração das leis que o regem. O modo e a forma dessa participação é, como vimos, problema a ser equacionado e resolvido pela ciêncica política e pelo epírito democráico que informa os responsáveis pela sua implantação. 
b) A Democracia repele a ideia de uma classe deter em suas mãos a exclusividade do poder (seja de ricos ou de pobres, seja de patrões ou de operáios).
c) A Democracia admite o direito de o cidadão possuir e usar a propriedade, cabendo ao Estado o dever de facilitar os meios para adquirí-la e de torná-la útil ao bem-estar social. 
d) A Democracia proclama o direio de trabalhar, mas também o dever de trabalhar e de produzir em benefício próprio e de toda a sociedade.
e) A Democracia promove e protege o bem comum, sem exceção de pessoas, de classes ou de categorias sociais.
f) A Democracia respeita os princípios morais e suas exigências.
g) A Democracia respeita a pessoa humana e as liberdades necessárias para o cumprimento de seus anseios e apidões espirituais e vocacionais, bem como suas aspirações econômicas e políticas legítimas.

                      O SUFRÁGIO UNIVERSAL

      O tema do presente trabalho nos questiona sobre se o sufrágio universal, para eleição do poder executivo, por si só, caracteriza uma Democracia. 
     Em outras palavras, querems saber se do conceito básico de Democracia consta como características essencial a exigência do sufrágio universal para eleição do poder executivo.
  Preliminarmente, que entendemos por sufrágio universal?
  Em seu sentido pleno, sufrágio ou voto é a manifestação do assentimento ou não assentimento a uma proposição feita. Nas democracias diretas, onde o cidadão decide diretamente sobre a aprovação ou a reprovação de uma determinada proposta, é a forma pela se manifesta a opinião do indivíduo. Na Democracia semi-direita, quer se trate de plebiscito, referendum, recall ou voto popular, o indíviduo também exprime sua opinião através do voto, ou sufrágio.
    No regime representativo, o sufrágio é o processo legal para a designação, pelo eleitorado, das pessoas que devam desempenhar determinadas funções chamada eletivas. Assim se escolhem os membros poderes legislativos, executivo, e, em alguns casos, do judiciário. 
    Como já vimos que a Democracia, em seu conceito básico, não se esgota e não se identica necessariamente com o regime representativo, é claro, para nós, que o sufrágio no sentido desse regime não pode, de mo algum, caracterizar uma Democracia. 
   Se por sufrágio, porém, significamos expressão autêntica e legítima da opinião do povo, manifestação real de seu assentimento ou não assentimento, é evidente que o sufrágio (nesse sentido e apenas nesse sentido) é a exigência básica da Democracia, pois, afinal, Democracia é, antes de tudo, "governo do povo". Não é, entretanto, exigência básica da Democracia que o sufrágio seja deste ou daquele tipo, nem mesmo  que tome qualqur uma das comprovadamente ineficiente e fracassadas formas até agora adotadas. 
    O que dissemos do sufrágio em geral, podemos, "mutatis mutandis", aplicar ao sufrágio universal, e com maior razão ainda. Primeiro, porque sua evidente contradição já começa pelo próprio nome. Universal quer dizer que abrange a totalidade do povo, Ora, isto na verdade é impossível de ser concretizado e se o fosse não seria realmente sufrágio, pois sufrágio é manifestação de uma opinião válida. E que validade poderia ter a opinião de alguém incapaz de a ter, seja por incapacidade física, seja por incapacidade moral, seja por incapacidade intelectual, seja enfim, por não ter opinião? Atualmente, com a maciça e constante ação dos meios de comunicação de massa, o jornal, a revista, o rádio, o dinema, a televisão, a intenete, poucos são aqueles que realmente ainda conservam o poder de discernimento próprio e pessoal, ou que são capazes de discernir entre varias opções que lhe foram maciçament impressass na alma e no coração por uma propaganda eficaz. Nestas circunstâncias, não há dúvida de que , a ser adotada a sistemática eleitoral até agora vigente, mesmo cercada dos mais eficientes cuidados, o sufrágio restrito expressaria muito melhor a verdade democrática expressa na opinião válida de quem estivesse em condições reais de ter uma opinião.
    Mas acontece que, em princípio, a Democracia é o "governo do povo". Portanto toda Democracia deve tender para este idela: a manifestação da vontade do povo. Portanto, em seu contínuo aperfeiçoamento, a Democracia deve compreender o máximo de seus esforços para a educação integral do povo, tornando-o capaz de, com verdadeira liberdade, livre das pressões morais e intelectuais, muito mais fortes e muito mais graves que as pressões morais e intelectuais, muito mais fortes e muito mais graves que as pressões políicas, manifestar com realidade  sua opinião.
    Se o sufrágio universal, por si só, caracteriza uma Democracia: Feita nestes termos, não estabelecendo ainda nenhuma distinção entre os poderes constitutivos do governo, responderíamos o seguinte:
a) Com exigência de fato, num determinado momento histórico, não, o sufrágio universal não caracterizaria, por aí só, uma Democracia. Isto porque, como diz o velho aforisma: "Ninguém é obrigado ao impossível". E, das duas uma, ou o sufrágio chamado universal não passaria de uma farça, se adotado, e portanto indigno de uma democracia, ou seria temporariamente suspenso, até que a educação do povo, e exequibilidade de medidas possíveis, permitiriam a sua readoção.
b) Como meta de trabalh sério, constante e inteligente do governo democrático, sim, embora não por si só, pois o conceito integral de Democracia é, como vimos, muito mais rico, não se esgotando em apenas um de seus múltiplos aspectos.
   Quanto à exigência explícita do sufrágio universal para a eleição do Executivo, menos ainda se justificaria a sua inclusão entre as notas características essenciais de uma Democracia. Aqui, até mesmo a experiência democrática é um argumento contrário. Com efeito, que e a eleição senão uma forma de sufrágio restrito? E a história dos países em que alguma forma de regime democrático se instalou nos prova que, se não houve evidentes benefícios para a Democracia na prática da eleição indireta ou sufrágio restrito, os males daí advindos não foram maiores ou menores do que os oriundos do sufrágio direto ou universal. Ninguém, em sã consciência, poderia taxar de não-democráticos os regimes políicos da França e dos Estados Unidos apenas pelo fato de seus Executivos não serem eleitos pelo sufrágio universal direto, mas, sim, respectivamente, pelo Parlamento e pelo Colégio Eleitoral. Poder-se-ia objetar que, em ambos os casos, ouve manifestação universal do eleitorado, quando elegeu o Parlamento ou esolheu o Colégio Eleitoral e que, por isso, se salva aí o conceito de Democracia.
    Na realidade, por tudo quanto dissemos, o que salva o conceito de Democracia, quando considerado em suas encarnações históricas concretas, não é essa ou aquela forma de sufrágio. É a existência do sufrágio como expressão real da vontade do povo. Muitas vezes, como vimos também, a simples existência do sufrágio, quando este não é ou não pode ser a expressão real e autêntica da vontade do povo, se transforma numa contrafação da Democracia, ao invés de ser uma característica da Democracia. E vimos como muitas vezes certass situações de exceção, em que o sufrágio é ainda uma meta a se alcançar pelo aperfeiçoamento da educação  do povo e pela instauração de uma ordem democrática compatível com a autenticidade do sufrágio, são muito mais democráticas do que outras situações em que a existência do sufrágio é apenas uma fraude indigna da Democracia.
    Daí concluímos que o SUFRÁGIO UNIVERSAL, para eleição do Poder Executivo, não caracteriza, por 


                                Roberto Gonçalves
Escritor
RG
Enviado por RG em 01/11/2013
Reeditado em 08/11/2017
Código do texto: T4551376
Classificação de conteúdo: seguro
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