A MORTE NA IDEOLOGIA HISTÓRICA: As Estruturas do Ocidente Médio II

Na forma pragmática do entendimento, o conceito de coletividade se relaciona com categorias ou maneiras próprias de liberdade do espírito humano, que se expressa através dos múltiplos fatores que evidencia o drama do medo na sociedade ocidental, onde as normas sociais e culturais visavam o equilíbrio entre poder e limite.

Posso ainda utilizar-me da afirmação de Paul Veyne (1982) que deixa claro que a história é um conjunto descontinuo, formado por domínios, de variadas épocas e com inúmeros caracteres de eventos diferenciados, que possibilitam dar rumos à história enquanto campo do conhecimento que vinculam a história vivida, cuja escrita é sem duvida a opção mais complexa, onde o homem tenta assegurar o tempo que se passa e flui permanentemente num devir constante, cujas explicações reais escapam através das falhas da memória.

Todavia, não podemos perder de vista as permanências da história que prosseguem por muito tempo, a hegemonia positivista. A história das ideias cede lugar a história sociocultural; o mesmo ocorrendo com a história das mentalidades; os historiadores abandonam as velhas questões tradicionais e partem em busca de “longos períodos” e para isto inventam novos métodos e instrumentos.

Foucault (1986) pensa em uma história econômica e social, quantitativa “novidade” que encanta ou irrita os historiadores das idéias; pois ocorreu uma rejeição das cadeias evolutivas das “visões de mundo” e outras noções típicas da história tradicional. Os historiadores pretendem ver cada idéia ou cada pensador em um “microcosmo” no qual se articula passado e presente numa estrutura especifica, preservando o eixo temporal das relações históricas, promovendo a conexão dos objetivos comuns aos historiadores dos diversos grupos.

A noção de “internalização” no âmbito da história intelectual e das idéias abrange um vasto campo de tendência definida em função aos métodos utilizados ou do tipo de objeto abordado.

A compartimentalização tende a não computar as histórias das idéias, produzidas pelos colegas de outras áreas das ciências humanas e sociais, não deixando de lado a produção dos não historiadores.

Utilizando o termo cultura, devemos fazer um diálogo com a cristandade, pois a religião cristã é supostamente “superior” as outras sociedades, pois sua ideologia é formada na Idade Média, onde os limites da cristandade eram os limites humanos; um movimento de lutas entre humanos, cristãos e pagões. (CARDOSO, VAINFAS, 1997, pp. 145-9)

A abertura a alteridade está totalmente envolvida com a nova forma de se fazer história, pois o “outro”, o “diferente” começa a fazer parte da história como sujeito, ou seja, objeto de discussão da disciplina histórica.

A descoberta do outro, foi sem dúvida um acontecimento surpreendente na história do ocidente, fundando um movimento interno, ocorrido na Europa Ocidental, decorrente da desagregação do feudalismo, que expõe o individuo ao meio de produção, fundando a sociedade moderna e ao mesmo tempo, abrindo portas para venda da força de trabalho e da escravização do individuo ao capital, libertando também as estruturas e valores familiares tradicionais, autocentrados e limitadores do exercício de vontades individuais e coletivas.

A descoberta de si e do outro, permite a existência de aceitação das diferenças em conjuntos do desenvolvimento da sociedade capitalista que se torna individualista quebrando as rupturas e padrões sociais; perceber-se que os povos considerados até então irracionais e não cristãos, também eram dotados de virtudes.

O pensamento ocidental caminha para a forma mais elaborada de classificação do outro, consolidando a raça branca como superior; desenvolvendo a teoria de desigualdade; enfrentando a miscigenação, o hibridismo que trazia em si a infalível decadência da particularidade. Durante o século XIX e boa parte do século XX, não faltou esforço de aprimorar o conceito de raça, legando a perspectiva biológica comportamental; abrindo caminho para o estudo antropológico mais profundo que fornece a base para o desgaste acentuado do etnocentrismo ocidental.

Lévi Strauss (1976) chama de primitivo a ciência moderna onde o universo é objeto do pensamento, pelo menos como Strauss, sustenta a diferença entre o grupo étnico, que no lugar da raça surge como elemento definidor da identidade de grupos humanos, ocorrendo uma interação e interferência entre duas ou mais tradições culturais, pois é inegável o efeito cultural que oferece no decorrer do contato.

Tal dinâmica das sociedades não só ocidentais, contribui também para um processo de trocas culturais plenas e verdadeiras.

A concepção do medo é algo que o homem desenvolveu como uma capacidade construída culturalmente, ideal que partiu de uma construção do mundo material. (ÁRIES, 1990, pp. 80-9). E apesar dessa reconhecida diferença cultural percebe um traço em comum: o medo de morrer.

O idealismo construído sobre o medo no ocidente é uma ideia cujo produto é definido no mundo material, porém o materialismo se divide em vários campos e um dos principais é a alienação, algo visível no Ocidente Médio, pois as sociedades medievais ligavam o medo de morrer com a vida. Processo de alienação do medo que se constituía no mundo dos vivos. (ÁRIES, 1990, pp. 77-9)

A religião é um fator de grande importância na Idade Média, pois ela mantinha as pessoas alienadas ao medo que naturalmente é algo normal. O conceito de homem se afirma como produto do meio, mas os impasses e interesses os levam as influências e transformações do meio. (ÁRIES, 1990, pp. 55-8)

Juntamente com a configuração da sociedade, não podemos deixar de lado, o processo de configuração da história das religiões, dotada de objeto e metodologias próprias.

O estudo do papel social das religiões mostra que as crenças e práticas, beneficiaram a constituição de um novo campo do conhecimento, tornando-se uma disciplina autônoma, na medida em que as categorias sociais e a própria sociedade se tornavam papéis privilegiados do estudo. A religião passa a merecer maior atenção. Um estudo mais objetivo e sistemático das diversas formas de ritos e práticas religiosas que possibilitam a compreensão mais abrangente das práticas individuais ou coletivas passam a fazer parte do rol dos historiadores.

Emile Durkhein (1895) é um dos primeiros a fazer o esboço teórico e metodológico para a análise do sistema religioso, adotando preceitos evolucionistas, na elaboração de um modelo imutável, imune ao tempo e a história; mas não resta dúvida de que seria Marx Weber (1905) o aplicador do método de análise que ele denomina sociologia; cujo um dos objetivos é a construção de conceitos. Ficando claro a procura dos fundamentos metodológicos da sociologia religiosa, através da análise de tipos de comunidades religiosas. (DURKHEIN, 1917, pp. 61-3)

Weber (1905) muito acrescentou á reflexão sobre o papel da religião na vida social, um contraponto em relação à reflexão de Marx e Engels, que aponta o estudo das religiões entrelaçando a luta de classe, percebendo a religião como a ilusão destinada a mascarar e a justificar a desigualdade entre as classes sociais, cuja origem tinha uma base eminentemente econômica. Weber, Marx e Engels pouco contribuíram para a valorização da história das religiões como objeto de investigação; mas com a estruturação e sistematização disciplinar, constituíram a sociologia religiosa, que ganhou corpo a partir do século XIX, organizando a “ciência das religiões” de um lado e a essência da vida e do homem religioso do outro. (WEBER, 1920, pp. 70-2)

O termo religião, se estruturou num contexto de lentas e definitivas laicizações, conhecendo por vários significados de diversos autores que promoveram o método comparativista entre sagrado e profano, sociologia e antropologia, abrindo caminhos importantes para uma proposta mais adequada a abordagem historiográfica, conjugando o desenvolvimento e a vivência de crenças religiosas a uma conjuntura histórica bem delineada e problematizante, caminhando para um estudo rico e complexo, passando pela produção no campo das mentalidades e da história cultural, irrigando a história das religiões e da religiosidade, demonstrando ser um campo fértil para continuar a reflexão metodológica e uma futura investigação historiográfica.

Como já mencionado, ao se fazer um balanço geral da historiografia conseguiremos identificar com nitidez dois grandes paradigmas, o iluminismo e o pós-modermisno, que com a Nova História surtiu uma confusão entre sujeito e objeto, resultado da crença de se observar e de se investigar a parte integrante daquilo que se estuda.

Portanto, os caminhos e descaminhos da história, enfrentam com serenidade as diferenças de opiniões e opções teóricas que buscam o equilíbrio dos problemas a serem investigados, posições que devem ser assumidas, com fins de convencer que a história é ciência, e trata-se de uma ciência que estuda a coletividade.

Tratando do predomínio de um processo hermenêutico de interpretação, partidário das microcorrentes, do estudo de pequenos grupos; que leva ao declínio o “paradigma iluminista” como no caso da história econômica, história social e história das mentalidades, assim chamada pela Nova História.

Dhiogo J Caetano
Enviado por Dhiogo J Caetano em 28/09/2013
Código do texto: T4502034
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