A morte na ideologia histórica: As estruturas do Ocidente Médio - I

Percorrendo de forma pontual as diversas correntes historiográficas, o ofício de historiador já passou por diferentes fases onde alguns aspectos como, por exemplo, os objetos de pesquisa, fontes e metodologia foram ou não por vezes privilegiados ou por vezes desconsiderados.

A posição básica da perspectiva entre as visões francesas e alemãs dificulta o entendimento de correntes paramarxistas, conhecida como Escola de Frankfurt (1968 – 1989) onde ocorreu o deslocamento de paradigmas nas áreas das ciências humanas e sociais; mudanças que afetam a História, promovendo a formulação de uma Nova História, que tem como ambição a diversidade dos objetos e a alteridade cultural. Assim a disciplina histórica é apresentada hoje a partir de oposições entre paradigmas polares chamados de “modernos” ou iluministas filiado ao marxista e ao grupo dos Annales que foram influentes e prestigiados no período de 1929 a 1989.

A visão marxista foi sintetizada por Adam Schaff (1991) que afirma a realidade social como algo mutável, onde seus fatores sofrem mudanças.

A preocupação dos marxistas transcende as esferas humanas, naturais e historiográficas; aparecendo ambas em um movimento dialético vinculado um ao outro. A principal contradição dialética entre o homem e natureza, se relaciona no desenvolvimento das forças produtivas, e a partir da análise integrada dessas contradições é que surgem os conceitos históricos como modo de produção, formação econômica, sociedade, e classes sociais.

Dentro do estudo sobre os paradigmas da história notamos uma compatibilidade entre os marxistas e os ideais dos grupos dos Annales e dos inúmeros seguidores da chamada Escola de Frankfurt. Tal compatibilidade se relaciona com a inclinação teórica dos historiadores pelas mudanças sociais e a ausência da preocupação com o individuo, devido à obsessão pelo que é estrutural e transindividual, sendo insuficientes suas indicações acerca da noção de poder. No caso dos Annales se relaciona com a polêmica contra uma história tradicional de corte político militar; levantando discussões e críticas em relação à ciência e sua objetividade, implicando ao mesmo tempo ao idealismo e ao materialismo, fatos os quais mesmo com a ausência da solução de problemas não deixaram de citar teorias, ideologias e utopias.

O paradigma pós-modernista se revela como um resultado de uma trajetória pessoal de intelectuais da década de 1970; revolucionários desiludidos, muitos abandonavam a crença na possibilidade de uma transformação global, partindo para movimentos de luta ou reivindicação, desembocarando por fim no neoconservadorismo ou neoliberalismo, processo que se desenvolveu no Ocidente.

Alguns dos aspectos da Nova História vieram para ficar, entre eles a ampliações dos objetos, as estratégias de pesquisa e de reivindicação dos indivíduos, tornando possível a legitimação da história. Nesse sentido, o medo da morte na Idade Média entra como objeto de análise legítimo do historiador.

No decorrer da pesquisa, a pluralidade disciplinar é evidenciada; as ideias se mantém vivas, uma disciplina que tem como objeto o estudo da história das ideias que teve que enfrentar como adversário a tradição marxista e a historiografia francesa dos Annales.

Mas boa parte dos historiadores prefere hoje classificar a história, como algo que de forma essencial ajuda o homem a pensar em uma história que até pouco tempo não constituía um campo particular e sim um objeto de estudo de alguns departamentos da filosofia. As ideias propõem uma representação mental de um objeto ou fato, enfocando uma problemática complexa, observando a intertextualidade e a contextualização, desempenhando diversas funções, mesmo assim observa-se que os historiadores mantêm uma relação precária com as ideias; utilizando constantemente uma gama de categorias, conceitos e noções; remetendo ao senso comum, teórico e especifico.

É importante deixar claro que as ideias tiveram papel decisivo na História, não se tratando ainda de uma História das Ideias e sim uma história geral das civilizações relacionada ao conceito de cultura; mas não existe recorte das “ideias” enquanto objeto particular historiográfico. Pois a historiografia do século XIX desenvolveu segundo alguns percursos metodológicos: a perspectiva discursiva, explicativa, compreensiva e historicista.

Percebe-se que a ideia se relaciona com a realidade real, histórica, única e singular; assim podemos compreender o sentido da famosa frase de Ranke (1795) “A tarefa do historiador é expor aquilo que realmente aconteceu”. As ideias não são algo acrescentado na história ao contrário é algo que aparece na conexão natural das coisas. (MICHELET, 1992, pp. 90-7)

Ao longo da construção historiográfica a historiografia romântica teve forte conotação política e ideológica, daí o hábito de se subdividir em duas vertentes; uma dita conservadora, mais tradicionalista e outra progressista; uma historiografia que se dizia “positivista”, mas na realidade propunha uma ideia evolucionista e cientifica que compreende as várias vertentes históricas, em função de suas diferenças quanto ao conhecimento histórico. (CARODOSO, VAINFAS, 1997, pp. 150-8)

No espaço historiográfico desse “positivismo” metodológico a compartimentalização disciplinar deslocou e pluralizou a história das idéias. Idéias que não se constituem em uma esfera distinta e separada da existência social, as quais são unidades estruturais da história. A história do medo na Idade Média Ocidental encontra aqui seu local específico de abordagem. E por meio da análise de um conjunto de idéias e do imaginário medieval que será analisado respectivamente com suas estruturas sociais, (o contexto, por exemplo), a questão do medo da morte nesse período.

No século XX a historiografia das “idéias” diversificou-se bastante, funcionando como orientadorada temporal de acesso às questões em debate e abordagens de modelos e métodos propostos.

A crítica antipositivista não era necessariamente “irracionalista” não sendo a “razão” que se rejeitava mais sim certo tipo ou concepção da “razão iluminista”. (CARDOSO, VAINFAS, 1997, pp. 3-6)

Bloch e Febvre (1920) citados por Ronaldo Vainfas (1997) inauguram o estudo das mentalidades, delas fazendo um legitimo objeto de investigação histórica. Mas não se pense que foram eles os primeiros a se dedicarem aos estudos dos sentimentos, crenças, e costumes na historiografia ocidental. (CARDOSO, VAINFAS, 1997, pp. 131 -3)

A problematização braudeliana do tempo longo é de importância crucial com relação ao assunto a respeito da mentalidade. Ao analisar a noção de “internalização” no âmbito da história intelectual e das ideias ocorre a amplitude dos campos de tendências do tipo de objeto abordado. Logo, deve-se pensar na investigação e na problematização de tal processo que se conduz ao processo coletivo dos grupos sociais; em uma dialética de longa duração. (BRAUDEL, 1984, pp. 25-9)

Numa visão coletiva, seria errôneo falar em uma história das mentalidades homogênea e unificada, seja quanto a seus pressupostos teóricos e metodológicos. Cabe, portanto falar das divisões das mentalidades, em particularidades que se divide em uma história das mentalidades herdeira das tradições dos Annales, e outra que seria a história assumidamente marxista, preocupada com a relação de conceitos e ideologias.

Portanto, a história das mentalidades está sim, descompromissada em discutir teoricamente os objetos se preocupando unicamente com a dedicação em descrever e narrar épocas ou episódios do passado, uma história cética quanto à validez da explicação e da própria distinção entre a narrativa literária e a narrativa histórica.

Conforme Marc Bloch (1930) aplica-se o método comparativo no quadro das ciências humanas, em que consiste em buscar e explicar as semelhanças e as diferenças em que apresentam as duas series de naturezas análogas, tomadas de meios sociais distintos, uma serie de instrumentos capazes de transformar a história em uma ciência, que permitiram a passagem da descrição para explicação dos processos históricos.

No concernente á interpretação coletiva é importante definir os critérios conceituais coerentes, sem cometer anacronismos, sobretudo em se tratando de sociedades bem diversas ou muito afastadas no tempo.

Analisar o medo no ocidente revela um problema que consiste em determinar o nível, as estruturas do objeto que permita uma profunda assimilação da realidade única e singular do medo em meio à hegemonia cultural. Na aurora do estudo sobre a morte, notamos que ela assume na Nova História das mentalidades um espaço importante. Iniciando um estudo das atitudes coletivas que atualmente está em pleno desenvolvimento.

Todavia, é visto que as relações dos homens com a morte são sistematizadas conforme o ideal coletivo ou individual.

Podemos assim afirmar que a história da morte se desenvolve em um processo coletivo e de longa duração que faz explodir os quadros de manifestações onde se expressa o imaginário coletivo. (DELUMEAU, 1989, pp. 22-4)

Neste discurso sobre a morte em meio a historiografia podemos realizar uma análise indireta dos rituais e gestos, que possibilita a percepção da evolução da memória coletiva com relação à representação do medo da morte e do pós-morte na Idade Média.

Segundo o autor Michel Vovelle (1991) a história da morte continua como uma história convulsiva, balançada por golpes brutais onde se cria uma série de sentimentos negativos com surtos na Idade Média depois da peste negra. (VOVELLE, 1991, p. 136)

O medo da morte possui uma ligação com a história social, trazendo consigo uma complexidade com múltiplos valores específicos, de um processo que se formulou a partir da experiência dos indivíduos. Ideologicamente, podemos notar que a morte envolve um conjunto de representações e formas, incluindo também as práticas, normas e comportamentos conscientes ou inconscientes.

Dhiogo J Caetano
Enviado por Dhiogo J Caetano em 28/09/2013
Código do texto: T4502031
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